Bom, mas vamos a isto.
Passou-se há muitos anos, no termo de Soajo, actualmente uma extensa e encantadora freguesia do concelho de Arcos de Valdevez.
Foi oferecido ao Rei um magnífico exemplar de raça cavalar, ainda jovem, e o monarca decidiu levá-lo para Soajo, para um couto de caça de que era ali possuidor. E como era dono do couto e dos habitantes, decretou que a população seria responsável pelo tratamento do animal, condenando à morte quem lhe fosse comunicar algo de mau relativamente ao potro de estimação.
Aconteceu que o animal não se deu bem pelas “montanhas lindas” da Serra da Peneda e adoeceu. Um dia foi encontrado morto no extenso matagal.
O problema era dar a notícia ao Rei, bem sabendo que quem tal fizesse assinava a sua sentença de morte. Reuniu o conselho de anciãos para decidir o que fazer e apresenta-se ali uma velha toda decidida que disse:
- Eu que já sou velha, não me importo de morrer. Eu vou a Lisboa levar a novidade a El-Rei…
Ficou assim decidido, com grande alívio dos conselheiros.
No dia seguinte, a velha toma a diligência e ruma à Capital para levar a fúnebre notícia a Sua Magestade.
Chegada a Lisboa, foi pedir uma audiência ao Rei o qual, atendendo à veneranda idade da velhota e ao esforço que fizera para ir ali encontrar-se com ele, a recebeu de imediato no seu sumptuoso palácio.
- Então de onde é que vem a senhora?
- Venho do Couto de Soajo…
- Ah… então deve saber como é que está o meu alazão puro sangue lusitano que lá deixei a engordar…
- Pois, o cavalito… Real Magestade… entraram-lhe as moscas pela caveira e saíram-lhe pela rabeira…
- Quer então dizer que morreu - retorquiu o Rei.
- Vossa Magestade o disse, que eu não – respondeu a velha.
O Rei, ciente da imprevidência cometida e da astúcia da velha, revogou de imediato o decreto que condenava à morte quem lhe fosse dar a notícia do óbito do seu estimado corcel.
Coimbra, 25 de Fevereiro de 2007