quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

História de Vida - Ou como contrariar o destino

Exteriormente era uma casa modesta, igual a muitas outras da pequena mas aprazível e simpática aldeia duriense. Contudo, mal assomei ao pequeno pátio situado à entrada já divisava a miséria que grassava no interior daquelas quatro paredes que serviam de lar a uma extensa e pobre família: uma montureira com inúmeros dejectos em decomposição a fervilhar de insectos, escorrências pestilentas de águas residuais e lama...
Dentro da única divisão da casa, escura, suja e sem o mínimo de condições de habitabilidade, um pequeno catre servia de berço a um ser humano, uma menina com cerca de um ano, que nele se encontrava nas condições mais miseráveis que se possa imaginar: em posição fetal, doente, desnutrida e salpicada de excrementos já ressequidos, embrulhada nuns míseros farrapos também com excrementos humanos agarrados e encrostados e com um desenvolvimento físico correspondente a uns escassos três meses.
Não tinha registo, nem baptismo, nem vacinas... nada, não era ninguém!
Foram uns vizinhos que souberam da situação em que a criança se encontrava e teriam tentado, em vão, convencer a mãe a levá-la ao Hospital concelhio, porque o pai, um pastor rude e bruto, não deixava que lhe tocassem e perante isso ninguém ousava desafiar a autoridade paterna. Toda a gente tinha medo dele, já tinha resolvido uma querela à navalhada e, por isso, o mais avisado seria chamar a Guarda.
Naquele tempo a Guarda resolvia (quase) tudo, era uma autêntica polícia de proximidade, conhecia as pessoas e as pessoas reconheciam-na. Ainda retenho o ar de espanto e de incredulidade estampado nos rostos de muitas pessoas, principalmente as mais idosas, quando precisei de lhes explicar que os seus problemas tinham de ser apresentados e dirimidos nos tribunais, certamente a pensar lá para dentro que "eram modernices de uma geração de incompetentes".
Foi nesse clima de confiança e de ausência de estruturas de apoio para casos daquela natureza que os vizinhos da menina foram ao Posto da Guarda apresentar o caso, esperando certamente a resposta que ansiavam: a Guarda vai resolver.
E resolveu...
Eu próprio me incumbi de ir ao local e comigo foi o Saraiva, um Guarda da "velha guarda" em quem sempre confiei e que nunca defraudou essa confiança. Era um excelente profissional e um Homem afável, conversador. Conhecia a área como as palmas da mão, conhecia as pessoas e a índole das populações e mais do que isso, tinha um coração do tamanho do Mundo mas que pouco tempo após a obtenção da merecida reforma o atraiçoou e decidiu deixar de bater naquele peito imenso.
Quando constatamos o quadro acima descrito não foi preciso perder tempo com mais conversas. Com o pai ausente no monte, com as suas ovelhas e cabras, para ele certamente mais importantes do que a filha e a mãe, uma mulher boçal, estúpida e porca, reticente e com medo da reacção do bruto do marido, decidimos transportar a menina no jeep para o Centro de Saúde, fossem quais fossem as reacções. Ao ver que nada podia fazer perante a nossa determinação, a mãe e a avó de menina resolveram acompanhar-nos e o velho Land Rover da Guarda também serviu para transportar aquelas mulheres e a desditosa criança até ao Hospital onde ficou internada ao cuidado das Irmãs e do corpo clínico que lhe ministraram os cuidados necessários para iniciar a recuperação que se impunha.
Alguns meses depois o Saraiva e uma das Irmãs apadrinharam o baptizado da menina. Mais tarde foi transferida para uma instituição em Braga e não voltou à casa paterna, pelo menos nos primeiros anos de vida. Será hoje uma mulher com vinte e poucos anos de idade que nada recordará do que se passou na sua idade da inocência e ainda bem.
Importa esclarecer que naquele tempo não existiam comissões de protecção de menores, nem casas abrigo, nem apavs, nem... nem...

domingo, 27 de janeiro de 2008

Actualidades

Uma parcela de 4 mil hectares na herdade de Rio Frio, que atravessa os concelhos de Palmela, Alcochete e Montijo, foi vendida no dia 7 de Dezembro, quando já eram conhecidas das autoridades as conclusões do relatório do LNEC sobre a localização do novo aeroporto internacional.
...
A herdade de Rio Frio, uma enorme extensão de terrenos entre Palmela, Alcochete e Montijo, está a ser comprada por vários empresários, que avançaram para estes negócios nos últimos meses. O mais recente foi formalizado no passado dia 7 de Dezembro e implicou a compra de cerca de quatro mil hectares da herdade, num negócio global que terá ascendido aos 250 milhões de euros.
http://sol.sapo.pt/PaginaInicial/Sociedade/Interior.aspx?content_id=77435

O primeiro-ministro acredita que as denúncias de corrupção feitas ontem pelo bastonário da Ordem dos Advogados não se referiam a nenhum membro do actual Governo.
http://ultimahora.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1317804&idCanal=12

O primeiro-ministro, José Sócrates, foi hoje recebido com protestos em Évora, durante uma iniciativa do Governo. Em declarações aos jornalistas minimizou o incidente, dizendo estar já "muito habituado" a manifestações, as organizadas pela CGTP.
http://ultimahora.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1317811&idCanal=12

Evoco aqui a velha história de Hans Christian Andersen sobre o rei vaidoso que gostava de se vestir de forma espampanante.
Era um rei muito vaidoso e estúpido e, por isso, dois "artistas" viram naquela sua mania uma forma de ganhar muito dinheiro. Pois os dois espertalhões foram até ao palácio real e anunciaram-se como especialistas em tecidos mágicos.
O rei já ouvira falar de tecidos de todos os tipos mas nunca tinha ouvido falar de tecidos mágicos. Ficou curioso. Ordenou que os dois fossem à sua presença.
O tecido mágico que eles vendiam era diferente de todos os tecidos comuns porque somente as pessoas inteligentes podiam vê-lo.
O rei contratou logo os dois "artistas" e encomendou-lhes um fato para estrear no dia da independência a troco de uma fortuna. Os "artistas" limitaram-se fazer de conta e aguardar a hora de receber a importância combinada.
Passados alguns dias o rei ordenou aos ministros que passassem a inspeccionar a obra. Estes não viam nada mas, como não queriam passar por burros, elaboravam relatórios a dizer maravilhas do fato.
Até que o próprio rei resolveu pessoalmente ir ver o tecido maravilhoso. E, tal como os ministros, não viu coisa alguma porque nada havia para ser visto. Mas pensou: “Se os ministros viram, é porque são inteligentes. E eu não posso deixar que eles saibam da minha burrice porque pode ser que tal conhecimento venha a desestabilizar o meu governo...”.
No Dia da Pátria, a cidade engalanou-se, bandeiras por todos os lados, bandas de música, as ruas cheias, tocaram os clarins e ouviu-se uma voz pelos alto-falantes: “Cidadãos do nosso país! Dentro de poucos instantes a vossa inteligência será posta à prova. O rei vai desfilar usando a roupa que só os inteligentes podem ver.”
Rufaram os tambores. Abriram-se os portões do palácio e o rei marchou vestido com a sua roupa nova.
Um oh! de espanto elevou-se pelos ares. Todos ficaram maravilhados. Como era linda a roupa do rei! Todos eram inteligentes.
Mas, no alto de uma árvore estava encarapitado um menino a quem não tinham explicado as propriedades mágicas da roupa do rei. Ele olhou, não viu roupa nenhuma, viu o rei nu exibindo uma enorme barriga, as nádegas murchas e as vergonhas dependuradas. Não se conteve e deu um grito que a multidão inteira ouviu:
-O rei vai nu!

Interioridades

Alguém que me explique, como se pode chegar a conclusões tão díspares:
  1. O Fórum "Monção: Presente e Futuro", que aconteceu no dia 12 de Janeiro no auditório da Escola Profissional do Alto Minho Interior (EPRAMI), deixou a indicação que o município, fruto da sua situação geográfica, tem potencial para "construir" um desenvolvimento sustentável... tem um potencial grande de crescimento, sendo "empurrado" pelo país ou pela proximidade à Galiza.
http://www.caminha2000.com/jornal/n373/distritomoncao.html

  1. Arcos de Valdevez, Melgaço, Monção e Paredes de Coura são os concelhos "menos competitivos" do distrito de Viana do Castelo, de acordo com um trabalho desenvolvido pelo ex-ministro da Economia Augusto Mateus.
http://jn.sapo.pt/2008/01/26/norte/desertificacao_sangra_interior.html

No primeiro caso trata-se de um fórum em que, supostamente, se reúne um grupo de personalidades mais ou menos importantes e entre uns almoços, uns copos (de alvarinho, de preferência) e uns dedos de conversa se extraem conclusões brilhantes como esta, embora surja ali uma dúvida sobre a origem do "empurrão" para tal desenvolvimento, não se sabendo bem se vem do país ou se da Galiza.
O segundo caso assenta numa base mais científica e as conclusões são de um economista que já foi ministro, penso que do tempo em que um autarca do Alto Minho "vendeu" o seu voto de deputado a troco de compensações económicas para a Região (parece-me que essas compensações se resumiram a uma auto-estrada de Viana a Ponte de Lima sem portagens - por enquanto) e certamente saberá do que está a falar.
A realidade está à vista de todos. Há pequenas unidades de produção a fechar por falta de mão de obra, os construtores civis queixam-se da falta de operários, os jovens continuam a demandar outras paragens. As Termas foram concessionadas a um grupo galego, a Zona Industrial está a ser ocupada por galegos e as grandes superfícies comerciais por lá instaladas fervilham de galegos.
Assim não será difícil adivinhar quem é que empurra quem.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Trapalhadas

Tem um corpo redactorial de peso e nem se pode considerar que sejam da oposição. No blog SORUMBÁTICO fala-se abertamente de política e do momento actual. Dali extraí um pequeno excerto que se segue, de um artigo de opinião publicado no Público de 20 de Janeiro, da autoria de António Barreto e que vale a pena ler na íntegra.
"Vivem obcecados com a propaganda. Anunciam a ideia, anunciam o projecto, anunciam a correcção, anunciam a revisão, anunciam o concurso, anunciam a adjudicação, anunciam a decisão prévia, anunciam a nova correcção, anunciam a primeira inauguração, anunciam a segunda inauguração..."
http://sorumbatico.blogspot.com/2008/01/os-trapalhes.html
Por
estas e por outras, já estou como o filósofo "quanto mais conheço os homens, mais gosto do meu cão"...

sábado, 19 de janeiro de 2008

Resistências

Já por aqui me pronunciei acerca da última fronteira que urge eliminar, a económica. Verifica-se agora que não é apenas essa. Resiste ainda uma fronteira que se torna absolutamente incompreensível nos tempos que decorrem, a burocrática.
Há alguns dias, ao ler o quinzenário monçanense "A Terra Minhota" apercebi-me do desconforto em que exercem actividade em Portugal as centenas de médicos espanhóis que, segundo se pode ler no artigo sob o título "Médicos espanhóis multados pela BT", se sentem perseguidos pela aplicação de leis obsoletas e anti-europeistas vigentes em Portugal.
Hoje, é o JN que traz o assunto a público fazendo eco do apelo da Associação de Profissionais da Saúde Espanhóis em Portugal (APSEP) "aos primeiros-ministros de Portugal e de Espanha para a resolução imediata do problema da circulação dos trabalhadores que residam em Espanha e trabalham em Portugal, reclamando a revogação da lei 22-A/2007, referente à regulamentação do Imposto sobre Veículos".
Segundo o mesmo artigo, "
em causa está a decisão do Governo português, por norma introduzida pelo Ministério das Finanças, de obrigar os trabalhadores espanhóis a substituírem as matrículas das suas viaturas por matrículas portuguesas nas suas deslocações diárias da sua residência para o local de trabalho, em Portugal, o que, nos últimos três meses, tem levado, junto às zonas transfronteiriças, a Brigada Fiscal da GNR a intensificar detenções, multas, retenções de documentação e até a imobilização de veículos".
É sobejamente conhecida a clamorosa falta de quadros na área da saúde, fruto de políticas proteccionistas de uma elite que tem vivido nas nuvens e que só foi possível superar os perniciosos efeitos nos cuidados de saúde prestados à população através do recurso ao recrutamento de técnicos estrangeiros. E se viessem de Cuba, ou do Brasil, ou da Austrália, ainda vá... Agora, vêm de um espaço onde, pretensamente, foram abolidas as fronteiras e é livre a circulação de trabalhadores e das mercadorias, na maioria dos casos nem necessitam mudar de residência pois fazem deslocações inferiores a muitos trabalhadores nacionais entre o local onde residem e aquele onde exercem a sua actividade profissional e têm de "exportar" o seu automóvel para Portugal? E no regresso a casa vão ter de mudar novamente de matrícula para circular em Espanha?
Dura lex, sed lex e não resta aos agentes da BT, da BF, da GF, dos Carabinieri, da Geandarmerie, do FBI ou da ASAE nada mais que não seja aplicá-la.
Já agora, coloquem um radar junto às fronteiras para "caçar" os infractores.
E já agora, contratem também um robot para cobrar as multas, sempre não terá de sofrer o vexame de se sentir num país do outro mundo.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Pobres Portugueses...

Era uma vez uma quinta governada por um humano despótico que explorava indecentemente os animais.

Cansados de ser oprimidos, os animais revoltaram-se e transformaram a quinta num espaço comunitário governado pelos porcos, que eram os mais inteligentes, liderados por Bola de Neve e Napoleão, adoptando o lema "todos os animais são iguais".

Mas na sombra, o porco Napoleão conspira. Cria e adestra, em segredo, uma ninhada de mastins aguardando o momento oportuno para destituir o outro líder.

Quando chegou a hora açulou os cães ao Bola de Neve e tomou o poder.

A partir de então foram impostas novas regras que apenas serviam os interesses dos porcos e os animais eram novamente escravizados e explorados, enquanto aqueles absorviam e desbaratavam ociosamente todas as rendas da quinta.

O lema da quinta passou então a ser "todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais do que outros".

O resumo anterior foi extraído, mentalmente, do filme "O Triunfo dos Porcos", baseado na obra literária de George Orwell com o título original "Animal Farm", escrita em 1944.

Trata-se de uma obra de ficção e qualquer semelhança com pessoas ou factos é mera coincidência.

Entretanto, deixo algumas pistas para leitura e reflexão...

Menos cem mil pobres

A situação de pobreza entre os que residem em Portugal baixou de 19%, em 2005, para 18%, em 2006. Apenas 1%, mas que em números exactos representa mais de 100 mil pessoas.

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Sócrates apontou ontem "que há uma progressiva redução nas desigualdades ao nível dos rendimentos", devido à quebra de 0,1% na diferença de riqueza entre os mais ricos e os mais pobres.
Ribeiro Mendes discorda e diz que o Governo não está a resolver o problema. "Aumentou o risco de pobreza entre os que estão na idade activa e a desigualdade nos rendimentos mantém-se", concluiu.

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Em 2006, aos 20% de população com maiores rendimentos correspondia cerca de 45% do total do rendimento monetário líquido das famílias. Enquanto os 20% do patamar mais baixo sobrevivem com 7% desse montante.

Sempre a perder

Os trabalhadores do Estado deverão este ano perder poder de compra pelo nono ano consecutivo.

Recessão

Uma série de indicadores económicos negativos dos dois lados do Atlântico e o anúncio pelo Citigroup de prejuízos recorde durante o último trimestre de 2007 acentuaram ontem as preocupações relativamente à entrada em recessão dos Estados Unidos e ao abrandamento forte da economia europeia.

Injustiças Sociais

Henrique Granadeiro, administrador-mor da Portugal Telecom, aufere, mensalmente, 185 590 euros [cerca de 37 500 contos], ou seja: 128 vezes mais do que a empresa gasta com 128 trabalhadores, na base de que cada um destes recebe 1449 euros [cerca de 300 contos] mensais.

- ÀS AAAARRRRMMMMAAAAAASSS!!!

domingo, 13 de janeiro de 2008

Linguística de Cavenca II – Pronúncias Dialectais

Linguística de Cavenca III – Pronúncias Dialectais

Isolado na encosta da serra, o povo de Cavenca desenvolveu formas de expressão próprias, algumas bem rudes, que nos faziam corar de vergonha sempre que alguém se ria da nossa “forma” de falar.

E não deixa de ser curioso que tais diferenças constituíam-se em áreas muito próximas. Só que a mobilidade das pessoas era ínfima e os círculos de relações estabeleciam-se quase exclusivamente nas próprias aldeias.

Aqui vão mais alguns dos termos e vocábulos que por lá ainda residem e resistem.

Acotchar Agasalhar, apertar (a roupa)
Arrincar Arrancar
Arrothada Paulada, cacetada
Atotar Amolgar, fazer mossa
Bormelho Vermelho
Cogordos Cogumelos
Escarapolar Escarapelar
Escambrom Escambroeiro, catapereiro, pilriteiro
Fichadura Fechadura
Gram Grão, testículo
Landra Lande, bolota (do carvalho)
Leitaruga Leituga
Malha Sova, tareia (levou uma malha)
Marelo Amarelo
Moutela Moiteira, mouteira
Saragaço Sargaço, caruma
Saramela Salamandra
Soque Soco, tamanco
Tchoutcho Chocho, atrasado mental
Xaragon Enxergão







sábado, 12 de janeiro de 2008

Incursões Literárias - Manifesto Anti-Dantas

Veio parar à minha biblioteca o último volume de uma colecção de livros editada por Planeta DeAgostini, "Printed in Spain" e intitulada Biblioteca Fernando Pessoa e a Geração de Orpheu.

É uma colecção esplêndida, principalmente por se tratar de Fernando Pessoa, reeditada e divulgada num formato muito agradável e a um preço excepcional.

Este volume é uma edição original da Assírio & Alvim com o título "Almada Negreiros - Manifestos e Conferências" e começa pelo Manifesto Anti-Dantas que, conforme se vê aqui, terá sido escrito entre Abril e Setembro de 1916.

Lê-se ainda no mesmo sítio, de onde copiei, com o devido respeito, a parte do Manifesto que inseri abaixo e onde se pode ver na íntegra:

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saiu este folheto de 8 páginas impresso em papel de embrulho, ao preço de 100 reis, todo grafado em maiúsculas e utilizando aqui e além, para sublinhar a onomatopeia - PIM!, uns ícones representando uma mão no gesto de apontar.

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Sobre o mesmo tema e sob o título "Almada e Dantas a Nu" escreveria Fernando Dacosta um artigo muito interessante (ver referências), do qual também aqui deixo alguns excertos.

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O "Manifesto Anti-Dantas e por Extenso", escrito por Almada em 1915, foi uma pedrada no charco da vida literária e social da época. Hoje, à distância de décadas, o choque entre ambos assume novos contornos e permite outras leituras.

O primeiro acto que chamou as atenções do público para José Almada Negreiros, um jovem em começo de carreira no ano de 1915, não foi de natureza cultural, mas social, não teve intenções criativas, mas destrutivas. Tratou-se do lançamento de um manifesto de várias páginas e vários insultos dirigido contra o, então, expoente máximo das letras portuguesas: Júlio Dantas.

Com irreverências nunca vistas, Almada achincalha-o (e ao que ele representa) gravemente, abrindo espaço para si e para a sua geração, a do "Orpheu", que Dantas apelidara de "paranóica".

Fulminado de espanto, por indignação uma parte, por regozijo outra, o país divide-se, radicaliza-se. Almada passa a ter nome. E pressa.

Decide jogar cada vez mais forte. Não tem a paciência, a intemporalidade de Pessoa. Quer o presente e quere-o sem medida, sem espera.

Sabe que a maneira mais fácil, mais rápida, de se ganhar evidência nos círculos culturais é utilizar a violência, o escândalo, o terrorismo contra os, neles, famosos.

Júlio Dantas - poeta, dramaturgo, cronista, jornalista, conferencista, médico, deputado, militar, ministro, glória das instituições, da política, da literatura, do teatro, da sociedade da época, académico de dezenas de academias, referência para o Prémio Nobel e para a Presidência da República - era-lhe uma tentação; até porque não iria reagir, não iria contra-atacar. As figuras proeminentes encontram-se, em situações dessas, muito expostas, quase indefesas.

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Dantas sofre a afronta em silêncio...

Almada multiplica-se em provocações. Espera Dantas à porta de casa -residia na Rua Ivens (habitou em 22 prédios diferentes)- e, quando o vê, põe-se em sentido, faz-lhe um manguito e berra: "As armas, às áármas, às áááááármas!"

Feroz na amizade como na inimizade, Almada defende a murro (fizera-se razoável pugilista) Amadeo de Souza-Cardoso, quando um quadro seu é cuspido pelo público na abertura, em 1916, de uma exposição na Liga Naval. "É mais importante a descoberta da pintura de Amadeo do que a do caminho para a Índia, porque a Índia foi há quatro séculos", invectiva.

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Dantas ouve-o e entristece. Numa tarde de calor, à porta da Bertrand, está de conversa com Luís de Oliveira Guimarães. Almada desce a rua, pára na sua frente por instantes, tira o chapéu, inclina-se prossegue. Dantas segue-o com o olhar.

"Este Almada, sempre tão velho, coitado!", exclama.

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MANIFESTO ANTI-DANTAS E POR EXTENSO

por José de Almada-Negreiros

POETA D'ORPHEU FUTURISTA e TUDO

BASTA PUM BASTA!

UMA GERAÇÃO, QUE CONSENTE DEIXAR-SE REPRESENTAR POR UM DANTAS É UMA GERAÇÃO QUE NUNCA O FOI! É UM COIO D'INDIGENTES, D'INDIGNOS E DE CEGOS! É UMA RÊSMA DE CHARLATÃES E DE VENDIDOS, E SÓ PODE PARIR ABAIXO DE ZERO!

ABAIXO A GERAÇÃO!

MORRA O DANTAS, MORRA! Mão.jpg (2277 bytes)PIM!

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PORTUGAL QUE COM TODOS ESTES SENHORES, CONSEGUIU A CLASSIFICAÇÃO DO PAIZ MAIS ATRAZADO DA EUROPA E DE TODO OMUNDO! O PAIZ MAIS SELVAGEM DE TODAS AS ÁFRICAS! O EXILIO DOS DEGRADADOS E DOS INDIFERENTES! A AFRICA RECLUSA DOS EUROPEUS! O ENTULHO DAS DESVANTAGENS E DOS SOBEJOS! PORTUGAL INTEIRO HA-DE ABRIR OS OLHOS UM DIA - SE É QUE A SUA CEGUEIRA NÃO É INCURÁVEL E ENTÃO GRITARÁ COMMIGO, A MEU LADO, A NECESSIDADE QUE PORTUGAL TEM DE SER QUALQUER COISA DE ASSEIADO!

MORRA O DANTAS, MORRA! Mão.jpg (2277 bytes)PIM!

José de Almada-Negreiros

POETA D'ORPHEU

FUTURISTA

e

TUDO

Mão.jpg (2277 bytes)

REFERÊNCIAS:
http://www.prof2000.pt/users/tomas/manifesto_anti.htm
Fernando Dacosta "Almada e Dantas a Nu",
Público Magazine, 4/4/93, In http://www.prof2000.pt/users/tomas/almada_e_dantas_a_nu.htm


quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Cabras, Cães & Companhia

A minha cadela é uma cabra. Já o disse antes, está dito. Apesar de tudo é um animal de estimação e como tal considerado, com quase tudo em dia: boletim de vacinas, desparasitante interno e externo, as unhas aparadas, o pelo escovado. Porque se trata de um bicho de estimação tenho-me visto muitas vezes constrangido a adoptar uma "vida de cão" e até passado por vicissitudes várias que se prendem com a intolerância das pessoas e a discriminação que se faz em relação à "proibição" de entrada de cães em estabelecimentos comerciais, especialmente de restauração e bebidas, o que já motivou uma intervenção policial. Digo proibição entre aspas porque realmente não há lei que proíba a entrada de animais de estimação nesses estabelecimentos.

A este respeito refere o Decreto Lei n.º 168/97, de 4 de Julho, com a redacção dada pelo Decreto Lei n.º 57/2002, de 11 de Março, que "... pode ser recusado o acesso às pessoas que se façam acompanhar por animais, desde que essas restrições sejam devidamente publicitadas" (art. 30.º, 3).

Fica assim ao critério do proprietário decidir se podem ou não podem aceder ao local pessoas acompanhadas dos seus animais que deverá, caso adopte a proibição, promover a adequada informação. Informação que procuro descortinar e respeitar sempre que me faço acompanhar da Maisy, apesar de não entender muito bem a atitude dos proprietários os quais, geralmente, colocam à entrada do estabelecimento o famigerado dístico indicativo da proibição de entrada de animais de companhia, mesmo tratando-se de autênticas espeluncas por onde pululam os mais diversos parasitas e até pessoas bem mais nocivas para a saúde pública do que a maioria dos cães e gatos.

Contudo, ela não se sabe comportar e, por isso, o melhor é não tentar aceder a sítios susceptíveis de gerar conflitos. É que ela, apesar dos seus caninos quarenta e nove anos, se considerar-mos que um ano para os humanos corresponde a sete para os cães, não tem um pingo de vergonha. Resmunga com tudo que se mexa mas tem uma predilecção especial por gatos, crianças de colo, velhinhos e, pasme-se, negros. O único indivíduo desta cor que tolera é um rafeiro que mora a cerca de trezentos metros e, sempre que lhe cheira a algo mais que mijo, lá anda ele a rondar para tentar a sua sorte, coisa que felizmente para ela ainda não aconteceu mas se chegarem a vias de facto vai ser um problema bicudo. Ela que se cuide.

Mas agora está na moda criticar as restrições recentemente impostas aos fumadores. Críticas que espelham quase sempre aquilo que se passa na mente de cada um. E é compreensível que assim seja. Cada qual defende o seu ponto de vista o melhor que pode, esgrimindo-se argumentos a favor dos direitos de uns ou de outros, conforme o lado em que se encontram.

Do lado dos fumadores lançam-se impropérios contra os "chibos" e "bufos" e o zelo das polícias sempre omnipresentes mas que não aparecem quando estão a assaltar os bancos e as pessoas ou a roubar o automóvel.

Do lado oposto reclama-se legitimidade para denunciar assente no exercício dos direitos de cidadania.

Como é evidente, para quem me conhece, a minha posição está do lado da cidadania, não querendo com isto dizer que do outro lado não a exerçam de forma exemplar, por várias razões:

  1. Por razões profissionais, sendo certo que, no meu caso particular, além do exercício consciente de cidadania, é uma imposição legal cumprir e fazer cumprir as leis em vigor;
  2. Porque há muito decidi que o tabaco nunca poderia sobrepor-se à minha vontade;
  3. Porque sempre posso optar pela escolha do local que pretendo frequentar;
  4. Porque os proprietários dos estabelecimentos podem também efectuar as suas opções;
  5. Porque entendo que nem tudo que restringe as liberdades individuais deverá ser abolido (por exemplo o uso do cinto de segurança ou do capacete de protecção).

domingo, 6 de janeiro de 2008

O Caçador

Um dia é da caça, outro é do caçador. Que o diga um senhor com quem me cruzei casualmente há cerca de vinte e oito anos, que nunca mais vi e que é a personagem principal desta história verdadeira.
A caça é um desporto, dizem os aficionados, mas na verdade trata-se apenas de um jogo em que os participantes concorrem de uma forma muito desigual. De um lado os caçadores, artilhados a rigor e fazendo uso dos mais sofisticados instrumentos, do outro os indefesos animais que bem podem fugir mas de pouco lhes vale.

Habitualmente a caça tem a sua abertura a 15 de Agosto, sendo permitida a captura de rolas, aves columbinas de migração, abundantes em Portugal de Abril a Setembro, após o que emigram para a África.

Foi precisamente no dia 15 de Agosto, decorria o ano de 1980. Era um dia de pouco movimento na secular Vila de Valença do Minho, pelo facto de ser feriado e o comércio local encontrar-se encerrado. E naquele tempo, sem esse atractivo, bem se podiam fechar as portas da Fortaleza que muito poucas pessoas se incomodariam com isso.

A zona exterior à antiga Vila amuralhada era muito diferente do que é actualmente: A estação dos Caminhos de Ferro, duas pensões, o Mercado Municipal, a fábrica de chocolates "Valenciana" e uma outra relacionada com manufactura de borracha, a residencial
Mané e algum comércio ao longo da Estrada Nacional, mais acima o Quartel da GNR e o resto era "paisagem", isto é, campos de cultivo.
No Quartel da GNR, um edifício na altura ainda recente e com boas condições, coexistiam os comandos do Posto local e da Secção de Valença, esta com uma zona de acção que abrangia, além do concelho sede, os de Vila Nova de Cerveira, Monção e Melgaço.

Era ali que eu me encontrava, jovem Cabo, a realizar o estágio do Curso de Formação de Sargentos, empenhado em compilar elementos para a elaboração do relatório final que ocorreria em Setembro. Juntamente comigo apenas se encontrava o pessoal de serviço diário que era o plantão, o apoio ao plantão e um outro responsável pelas comunicações. Foi este que pelas três horas da tarde me informou de que alguém telefonara a denunciar a prática de caça
por um grupo de caçadores numa zona proibida, o que face à legislação vigente constituía crime.
Era preciso agir e eu próprio, acompanhado pelo Soldado de apoio ao plantão e o telefonista, munidos das respectivas armas, dois de pistola e bastão e o terceiro com uma G3, que quando se trata de caçadores nunca se sabe,
deslocamo-nos para o local a toda a velocidade que permitia o velho carocha preto, exclusivo do Comandante da Secção mas que também servia para "desenrascar" outros serviços.
Estacionamos o carro junto ao apeadeiro de
Friestas e embrenhamo-nos na floresta à procura dos prevaricadores dos quais não se via rasto. Percorremos um caminho ao longo da linha de caminho de ferro em direcção a Lapela e volvidos escassos trezentos metros ouvimos um disparo de caçadeira proveniente de um cabeço à nossa esquerda. Apuramos os sentidos e tentamos descortinar o autor do disparo mas em vão. Mais uns metros percorridos e um velho velocípede com motor denunciava o infractor mas do seu proprietário nada. Circundamos o cabeço, ouvimos mais um disparo mas a densidade da vegetação e a configuração do terreno nunca nos permitiu avistar o caçador que, certamente, também não se apercebeu de que os papéis estavam quase a inverter-se e de caçador passava a ser ele a presa...
Voltamos ao local onde se encontrava o velocípede e
dispusemo-nos a esperar ali que a nossa presa viesse ter connosco. De facto, não tardou em que descobrissemos o nosso alvo, de espingarda em riste e cabeça no ar atento a tudo que tivesse penas e se movesse no cocuruto do arvoredo. Tão absorto vinha que esbarraria com qualquer de nós, não tivéssemos tomado providências para impedir alguma reacção intempestiva que pusesse em risco a nossa integridade física. Um dos meus companheiros ordenou-lhe que parasse e apontasse a arma para cima o que foi de imediato acatado. Depois de desarmado passamos à efectiva fiscalização.
Tratava-se de um "pobre diabo", jornaleiro de profissão, morador numa pequena aldeia do vizinho concelho de Monção. Trazia quatro ou cinco rolas penduradas à cinta, os documentos em ordem, licença de caça, seguro, licença de uso e porte de arma de caça, livrete de manifesto da arma e declaração de empréstimo de uma velha e ferrugenta espingarda de calibre 16, de um só cano, quase arcaica, que apresentava já um intenso desgaste.
Seguidamente expliquei-lhe que exercia a actividade venatória numa zona em que tal era proibido e encontrava-se assim a praticar um crime de caça punível com prisão e multa e que implicava acessoriamente a perda dos instrumentos e do produto da caça.
O homem vacilou, desculpou-se com o argumento de que desconhecia que ali era proibido caçar, já ali vira outros e... Continuei a informá-lo de que, em consequência do delito cometido devia considerar-se detido e, como o Tribunal estava fechado, notifiquei-lhe a obrigação de comparecer perante o Juiz ás nove horas do primeiro dia útil seguinte.
Não pude dizer mais nada.
Toda a resistência que as pernas do nosso homem ainda continham
desfêz-se como manteiga derretida e caiu no chão. Chorou, implorou, que levássemos as rolas mas que o deixássemos ir embora, que nunca mais voltaria a caçar, que tinha duas filhas pequeninas, que... que...
Era nítido que aquele não fora o objectivo da denuncia, não era o objectivo da nossa deslocação mas não havia nada a fazer, estava em infracção e
dura lex sed lex, como diz o nosso pobo...
Pensei rápido e vi que estava com um problema para resolver.
Olhei para os meus companheiros, quase tão aflito como o prisioneiro, que simplesmente encolheram os ombros.

Decidi.

Ordenei ao homenzinho que se levantasse e perguntei-lhe se aquele caminho tinha saída em direcção a Monção. Ele respondeu afirmativamente e disse-lhe que pegasse as suas coisas e, com o velocípede à mão para não denunciar a sua presença, que desaparecesse.
Foi visível o alívio no seu semblante, ofereceu presunto, vinho tudo que quiséssemos, era só ir à sua casa, mas limitei-me a dizer-lhe que não perdesse tempo e se pusesse a andar antes que fosse tarde. Assim fez e rapidamente desapareceu pela estreita vereda coberta de vegetação.
De certo modo aliviados pusemo-nos em marcha em sentido contrário.
Junto ao apeadeiro encontrava-se um indivíduo com aspecto de ser alguém importante que nos interpelou se não os tínhamos apanhado, que ainda agora tinha ouvido tiros para os lados de onde vínhamos. Sim, nós também ouvimos mas devem ter fugido porque batemos tudo e não vimos ninguém. Convencido ou não, ainda nos referiu que os caçadores por ele denunciados eram de Braga, tinha-lhes dito que ali não podiam caçar mas não fizeram caso, só que depois já se tinham dirigido para a zona em que tal era permitido.

Teria sido a minha estreia a prender um criminoso, certamente aquela acção seria elogiada pelos nossos superiores...

Erramos, eu mais que os meus companheiros. Fizemos de Procurador da República e de Juiz, decidimos absolver o nosso criminoso mas ainda hoje, em consciência, considero que foi a decisão mais acertada.

Assim se fez (a minha) JUSTIÇA.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

Para 2008...

Agradeço a todos os meus parentes, amigos e amigas as palavras amáveis e os votos de boas festas que me foram dirigidos. A todos desejo em dobro tudo que me desejaram.

Aproveito para revelar, em primeiríssima mão, quais foram os meus desejos para 2008, formulados ao "passar" as passas:

  1. Que me saia o euromilhões;
  2. ...e muita saúde para o gastar;
  3. Que me saia o jakpot do euromilhões;
  4. ...e muita saúde para o gastar;
  5. Que me volte a sair o euromilhões;
  6. ...e muita saúde para o gastar;
  7. Que me saia o segundo prémio do euromilhões;
  8. ...e muita saúde para o gastar;
  9. Se não sair o euromilhões...
  10. Que não me falte a saúde para ganhar muitos €€€€;
  11. De uma forma ou de outra que seja um ano melhor do que a merda de ano que findou;
  12. E se não puder ser melhor, porra... então que não seja pior...

Bah... Eu até nem gosto de passas!