sexta-feira, 25 de abril de 2008

O Meu 25A

Muito se tem falado do 25 de Abril de 1974, com muito acerto e desacerto, e muito mais haverá ainda por falar. Porém, não foi esse o meu 25 de Abril, porque na minha vida nada mudou naquele dia e apenas tive uma pequena percepção das mudanças que daí resultaram alguns meses mais tarde, quando a Banda de Música do antigo Regimento de Infantaria n.º 6 executava belíssimos trechos de obras clássicas e a tropa, tanto na plateia como no balcão, exigia ruidosamente que executassem a famosa "Grândola, Vila Morena", ou quando, no mesmo palco, o Grupo Seiva Trupe levava a cena a peça "Catarina Eufémia", de onde emergiu a não menos famosa canção Somos Livres, da autoria e superiormente interpretada por Ermelinda Duarte.
Para mim, as recordações mais importantes situam-se um ano depois, a 25 de Abril de 1975, continuava eu a cumprir serviço militar obrigatório em Tancos. Nesse dia realizou-se em todo o território nacional aquele que julgo ter sido o primeiro acto eleitoral por sufrágio universal, directo e secreto em Portugal. Foi o dia das eleições para a Assembleia Constituinte.Organizado e dirigido pelo Movimento das Forças Armadas, aquele acto eleitoral foi uma manifestação de civismo e de sede de democracia impressionante.
A adesão às urnas foi também, creio eu, a maior de sempre, tendo em conta que existiam 6.231.372 eleitores inscritos, votaram 5.711.829 (91,66%), tendo-se abstido apenas 519.543 (8,34%).
Infelizmente, não foi nesse dia que pude exercer o meu direito de voto pela primeira vez. O meu recenseamento eleitoral tinha sido efectuado no Porto e passei a integrar os cadernos eleitorais da freguesia de Miragaia. Porquê? Porque quando foi desencadeado o recenseamento eleitoral encontrava-me já incorporado na escola de recrutas que decorria no extinto CICA1, na Rua D. Manuel II, instalações que posteriormente reverteram para a Universidade do Porto.
Actualmente não seria problema porque podia sempre exercer o direito de voto por correspondência mas... naquele tempo o sistema ainda não o permitia. Como também não foi permitido a muitos dos militares, entre os quais me encontrava, deslocarem-se aos locais onde se encontravam recenseados para o efeito já que as mesas de voto foram guarnecidas por militares e os que não estavam empenhados no acto, na segurança das assembleias de voto ou no apoio logístico permaneciam nos Quartéis de prevenção.
Por Montalvo, Constância e Praia do Ribatejo passeei orgulhosamente, nesse dia, o lenço amarelo que me fora distribuído de madrugada para ostentar ao pescoço, à cowboy, integrando-me num grupo e numa missão específica que se prolongou pela noite dentro.
E depois?

terça-feira, 22 de abril de 2008

Residências Geriátricas, Lares ou Abandono?

"Portugal tem 13 mil idosos em lista de espera para os lares apoiados pelo Estado. O número foi avançado ontem pelo padre Lino Maia, presidente da Confederação Nacional das Instituições Particulares de Solidariedade Social (CNIS), após admitir a possibilidade de algumas destas valências receberem donativos de particulares em troca de vagas." (JN Abril de 2008).
"O envelhecimento da população e o insuficiente investimento em lares estão a deixar milhares de idosos e famílias sem resposta para necessidades, que, por vezes, são urgentes. Em lista de espera para conseguir lugar num lar estão 18 mil pessoas, disse ao DN o presidente da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNI), o padre Lino Maia." (DN Julho de 2007).
Os números acima referidos têm a separá-los, além da diferença entre si, o decurso de tempo de dez meses.
Há mais de duas dezenas de anos, compartilhava eu a enfermaria de um Hospital com um veterano militar reformado. E se eu não estava muito bem do ponto de vista físico e mesmo psicológico, aquele homem metia dó, quer pelos inúmeros problemas de saúde que o atormentavam, quer pelo aparente abandono dos familiares.
Ali mantínhamos algumas rotinas como ver televisão numa sala própria e ler os jornais do dia. Era naquela sala que eu permanecia após a última refeição sempre servida muito cedo, que o pessoal que prestava serviço nessa área tinha que ir embora...
Uma noite, ao regressar ao quarto, em silêncio e sem acender a luz para não incomodar o meu vizinho, consegui descortinar que tinha caído da cama e se arrastava pelo chão extremamente agitado. Peguei nele ao colo e coloquei-o na cama. Ficou sossegado por alguns instantes e tentei adormecer mas não consegui porque entretanto o meu vizinho voltou a entrar em agitação atirando-se da cama abaixo. Chamei o "enfermeiro" de serviço, este chamou o médico, lá o sossegaram por mais algum tempo mas foi sol de pouca dura. Passados escassos minutos entrou em convulsões e dali partiu para melhor...
Não foi a morte daquele cidadão, nos setenta e muitos anos e com fraca qualidade de vida, que me fez evocar aqui esse facto mas as circunstâncias em que ocorreu: abandonado. E isso é muito recorrente nos tempos que decorrem.
Se há coisas que me preocupam uma delas é a forma como se vive actualmente a velhice, talvez porque sinto aproximar-se o tempo em que também farei parte desse extenso rol de inutilidades que enchem os lares. Ainda mais me preocupa perceber que por detrás desse universo de pessoas fragilizadas existe um crescente aproveitamento económico, encapotado nas mais diversas roupagens, quais aves de rapina pressentindo o cheiro da preia - misericórdias, ipss's, empresários individuais e grupos económicos poderosos. São os Lares para os de mais parcos recursos, as Residências Geriátricas para os remediados e as Residências Sénior para o segmento médio-alto.
É o que já foi designado por "mercado de ouro", com um potencial de crescimento avassalador dada a desumanização total da sociedade em que vivemos.
Contudo, os designados Lares para idosos são um mal necessário e sempre é preferível morrer debaixo de um tecto a retroceder ao tempo em que se levavam ao monte.
Mas é escandaloso constatar a existência de uma lista de espera com a dimensão acima referida. Mais ainda saber-se que se "compram" vagas à custa de "doações", num absoluto desrespeito e atropelo claro dos direitos dos candidatos a essas mesmas vagas.
À margem ficam ainda os sem-abrigo, os indigentes e aqueles afortunados a quem não falta o cuidado de uma mão carinhosa para lhe fechar os olhos...

sábado, 19 de abril de 2008

Os Caçadores de Aviões

O aeródromo da Chã pouco mais era do que um terreno de pastagem para algumas ovelhas e cabras ou uma ampla pista de treino para destemidos adeptos de desportos motorizados ali realizarem alguns piões, ou ainda para aprendizes mais temerosos da arte da condução efectuarem os treinos indispensáveis para o exercício da mesma sem se atemorizarem com a concorrência dos mais experientes nas vias públicas.
Contudo, mesmo salpicado de vegetação rasteira, o veterano piloto do pequeno monomotor descortinou a imensa pista por entre o denso pinhal do planalto e efectuou uma aterragem perfeita. O que não esperaria, certamente, era que ao sair da aeronave se iria deparar com dois façanhudos elementos da Guarda Nacional Republicana a indagar da presença de tão insólito intruso naquele espaço. De facto, era caso para especular acerca da eficiência de um tal serviço de inteligência, capaz de detectar, em tempo real, a presença de qualquer objecto voador em solo transmontano, mesmo sem haver sinais de radar que denunciasse a sua aproximação e a suposta torre de controle estar tão degradada como a própria pista!
Na realidade, a oportunidade de tal acção nada teve a ver com qualquer minuciosa e aturada recolha de notícias ou trabalho de laboratório. À semelhança de muitas outras que diariamente preenchem os registos dos Postos foi apenas fruto do acaso.
Naquele dia, da parte de tarde, a patrulha motorizada saíu do quartel sem outro objectivo que não fosse efectuar o giro definido na respectiva guia e regressar ao ponto de partida a tempo e horas. É que aqueles meios de transporte não eram uma mais-valia para o desempenho das funções policiais, pelo contrário, constituiam um quebra-cabeças tanto para quem os conduzia como para quem os administrava. Não raras vezes era necessário promover o retorno a reboque por avarias irremediáveis e quando isso não acontecia era certo que os elementos da patrulha chegavam ao Quartel todos sujos, mal ataviados, psicologicamente desgastados e fisicamente arrasados porque pelo percurso tinham que limpar as velas uma e outra vez, ou verificar e ajustar as correntes de tracção, ou empurrar para pôr o motor a trabalhar, ou outras acções que eram o desespero de todos.
Mas o percurso na subida para a Chã até decorreu sem incidentes e quando lá chegaram aperceberam-se do raro fenómeno - uma avioneta estava a fazer-se à pista - e o dever obrigava-os a verificar do que se tratava para dar cumprimento às determinações superiores que impunham a imediata comunicação de qualquer acção que pusesse em causa a soberania e integridade do território nacional.
Foi assim que abordaram o arrojado piloto inglês recolhendo os dados necessários para efectuar a comunicação ao escalão superior, ao mesmo tempo que lhe prestaram o apoio necessário para garantir a segurança do seu meio de transporte e a deslocação para a Pousada Barão de Forrester onde tinha reservado alojamento para pernoitar e descansar que bem precisava.
Fiquei surpreso pelo regresso extemporâneo da patrulha mas foi por uma boa causa. Peguei nos elementos fornecidos e imediatamente uma mensagem voou pelo espaço, através das ondas hertzianas, até ao comando imediato, deste para outro, e outro, e outro até que alguém se lembrou que era preciso complementar a informação com mais elementos, que só podiam ser obtidos junto do súbdito de Sua Magestade.
Eu próprio, acompanhado pelo motorista, me dirigi à magnífica Pousada onde, com a ajuda preciosa do funcionário em serviço no bar, já que os meus conhecimentos de inglês não permitiam sustentar o diálogo, consegui sacar os dados de que precisava para complementar a informação. Aproveitei para desejar uma boa estadia ao forasteiro e regressei ao meu local de trabalho dando cumprimento ao que me fora solicitado. Só que não foi ainda desta vez que o serviço ficou concluído. Faltava ainda saber por onde tinha entrado em território nacional, quando tencionava partir e para onde. Já estava a ser complicado demais mas não havia nada a fazer que não fosse voltar à Pousada.
O cidadão estrangeiro ainda se encontrava no mesmo local, sensivelmente na mesma posição, à conversa com o barmen, apenas tinha mudado o líquido do copo, e não manifestou qualquer enfado pela insistência e persistência em lhe "arrancar" tudo que sabia mas algo deve ter perpassado como um alarme pela sua mente que, após fornecer as informações solicitadas, sacou instintivamente da carteira e "ameaçou-nos" com uns papéis estranhos que eu reconheci como sendo próprios para "agradecer" o nosso empenho e dedicação para que a sua estadia ali fosse o melhor possível.
Obviamente não aceitamos e ficamos gratos por não ser necessário voltar ao contacto com aquela personagem que, além de ter sido surpreendido com uma recepção de que não estaria à espera, ainda mais embaraçado e confuso deve ter ficado com a nossa complexa e delicada recolha de informações pensando que tinha aterrado em Myanmar ou na Somália.

Fantasmas

quinta-feira, 17 de abril de 2008

Casas mais acessíveis...

"Governo alarga prazo dos empréstimos à habitação em regime bonificado até ao limite de 50 anos"
Com mais esta medida de fundo, a construção civil vai iniciar um novo ciclo de prosperidade. A seguir vai ser tornar o crédito transmissível aos filhos e netos. Depois, eles que se desenrasquem...
O problema será promover as necessárias obras de beneficiação, que quando acabarem de pagar já a casa valerá menos de um terço do que custou, assim por alto, se calhar menos.

terça-feira, 15 de abril de 2008

Mãos Firmes...

"Capitán, mande firmes. Digan conmigo: Viva España y Viva el Rey", fue la primera orden dada ayer por la primera ministra de Defensa de la historia española, Carme Chacón, al tomar posesión de su cargo al frente de las Fuerzas Armadas.
http://www.farodevigo.es/secciones/noticia.jsp?pRef=2008041500_6_216362__ESPANA-Chacon-designa-pontevedres-Constantino-Mendez-numero-Defensa
"Capitão, mãos firmes. Digam comigo: Viva Espanha e Viva o Rei". Foi esta a primeira ordem da ministra da Defesa espanhola, Carme Chacón, ao passar a revista às tropas.
http://dn.sapo.pt/2008/04/15/internacional/ministra_defesa_e_vedeta_nova_equipa.html
A tradução pouco importa. Também não é importante a forma como os jornalistas de um e do outro lado da fronteira de referem às Forças Armadas.
O que se pretende realçar é o facto de uma advogada de 37 anos de idade, prenhe de sete meses, ser nomeada Ministra da Defesa e, consequentemente, lider das Forças Armadas de uma das maiores potências da Europa e, quiçá, do mundo.
Carme Chacón é licenciada en Direito pela Universidad de Barcelona. Realizou estudos de posgraduação em Osgoode Hall Law School (Toronto, Canadá), na Universidade de Kingston e na Universidade Laval de Montreal, foi professora de Direito Constitucional na Universidad de Gerona e é Secretária da Educacão, Cultura e Investigacão da Comissão Executiva Federal do PSOE, tornando-se assim, não só na primeira mulher a ocupar aquela pasta, mas também a primeira mulher grávida a integrar o governo Espanhol.
E ninguém diga que o Senhor Zapatero não tem bom gosto. Estou convencido que o moral dos Militares do país vizinho vai aumentar substancialmente com esta nomeação.
Depois da legalização dos casamentos homossexuais, a Espanha continua a surpreender, não só pela escolha para a pasta da defesa mas também pelo elevado número de mulheres que integram o actual executivo que, também pela primeira vez na história, integra mais elementos femininos que masculinos.
A política da Igualdade, por aquelas bandas, não é uma mera carta de intenções, escreve-se e pratica-se com acções concretas.
Seria bom que o nosso Primeiro não visse por ali apenas os sapatos "Prada" de que tanto gosta mas também formas de fazer política às direitas.
Foto obtida em:
http://ecomordefuentes.nireblog.com/blogs/ecomordefuentes/files/chacon.jpg

domingo, 6 de abril de 2008

Há 33 Anos

Encontrei-os há dias, quando percorria um mal organizado lote de fotografias. Conhecemo-nos na tropa e nunca mais encontrei nenhum deles.
Gozávamos uns momentos de descontracção, em Tancos, sem sabermos bem porque carga de água ali fomos parar. Os seis cromos eram quase todos tripeiros: Areosa, Vila do Conde, Leça, Vilar do Andorinho, Gaia (2) e eu, o Munçoum, como era conhecido. Ademais, apenas recordo o apelido de dois deles, o Monteiro e o Miranda e, certamente, nenhum deles se lembrará do meu.
Bem no início da Primavera, tínhamos acabado a formação básica e a especialidade, Condutor Auto Rodas (CAR), e de ser colocados na nossa primeira Unidade, a Escola Prática de Engenharia.
Ainda estes dias me perguntavam: mas porquê condutor auto rodas, havia condutores auto sem rodas? Bem, sem rodas não, mas com rodas e patas havia, eram os condutores hipo, que na tropa sempre houve muitas cavalgaduras e, se é certo que esse número tem vindo a diminuir, a verdade é que ainda há por lá muitas bestas...
Mas, adiante, antes que a coesão das Forças Armadas estremeça e me veja a contas com um PD como aconteceu ao Sr. Coronel Alves de Fraga, autor do blog Fio de Prumo.
Mal sabíamos nós que nos estava reservada uma missão muito mais importante, a guerra do ultramar. É verdade, só um escapou, o vilacondense, que tinha a decorrer um processo de "amparo" de pais o qual foi deferido poucos dias depois, não sei se foi para amparar os pais ou se foi para os pais o ampararem a ele.
Senti um aperto enorme no coração quando em finais de Maio de 1975, ao passar em frente à caserna onde estávamos alojados, ao volante da "minha" Morris, regressava do Entroncamente onde íamos frequentemente em serviço de transporte de pessoal. À porta das instalações, com cara de quem "comeu e não gostou", estava o Leça que mal me viu gritou: ó Munçoum, bai arrumar a fragoneta que bamos pra'Angola...
Não acreditei mas ao dar conta do serviço caí na realidade. O sargento encarregado do parque auto mandou-me apresentar na Secretaria para tratar dos assuntos administrativos com vista à marcha para Lisboa.
No mesmo dia recebemos equipamento militar para dois anos de campanha em Angola e uma guia de marcha para nos apresentarmos no Depósito Geral de Adidos, Calçada da Ajuda, Lisboa. Volvidos dois dias, com uma dose cavalar de vacinas contra "tudo", regressamos a casa com a determinação de voltarmos ao DGA uma semana depois.
Aquele regresso a casa de forma tão inesperada causou alegria, naturalmente, mas também estupefacção. Não era normal, algo não encaixava na rotina que se tinha estabelecido. Disse o que se passava mas só quando mostrei o documento onde constava o despacho de mobilização é que se convenceram que era verdade. Afinal, um ano depois do 25 de Abril, a guerra ainda não terminara...

sexta-feira, 4 de abril de 2008

O Cavaleiro Solitário

Após quase dois meses sem se saber dele, D. Eduardo deu sinais de vida e de grande optimismo.
"He cruzado toda Grecia de Norte a Sur ... me encuentro en Markopolo... en un Club Hípico del mismo nombre. Hemos parado en estos fatigosos días en lugares,como estaciones de Tren, casas abandonadas, montañas, valles, cementerios, Iglesias, Hoteles para perros, criaderos de Jabalí, centros hípicos, pasando por ciudades como, Alexandropolis, Tesaloniqui, Tebas, Lamia,Maratón Malacasa Artemisa, el valle de las Termopilas, muy agotador, pero valió la pena".
A comitiva segue agora com um novo membro, Manuelita, uma tartaruga que encontrou em amena cavaqueira com Chalchalero, o cavalo criolo argentino que já conta com 33.400 quilómetros percorridos. É obra!!!
Seguir-se-á a Síria e, se a oportunidade se propiciar, Índia e Mongólia. A continuar assim tarde ou nunca teremos o livro que tenciona editar quando regressar à Pátria.
Que Deus o ajude.

quinta-feira, 3 de abril de 2008

Pelas Margens do Tua

O homem foi criado com uma individualidade própria
e dotado de todos os atributos indispensáveis para
evoluir por si mesmo em direcção a um fim superior".
Carlos Bernardo González Pecotche


O valor da vida humana é hoje insignificante e reduzido a um contexto de tal modo diminuto que nos faz meditar acerca dos superiores desígnios reservados a esta nossa condição.
Volto às margens do Tua para recordar uma tragédia que testemunhei há alguns anos.
Era dia de percorrer as aldeias, numa daquelas acções em que se fiscalizava a licença do cão e do gato, o depósito de detritos e despejo de águas sujas na via pública, ao mesmo tempo que se contactava com as pessoas, se ouviam queixas e reclamações, desabafos e confidências, enfim, uma verdadeira acção de proximidade entre a população e aqueles que se encontram por ela mandatados para velarem pela sua segurança e tranquilidade.
A actividade começara cedo, interrompeu-se para um frugal almoço e continuava pela tarde até cerca das dezassete horas..., se as obrigações de serviço o permitissem. Não foi o que sucedeu nesse dia.
Sem muito trabalho, seriam umas quatro horas da tarde, já no percurso de regresso ao Quartel, o emissor-receptor instalado no inconfundível Land Rover quebrou o monótono ruído do motor. Uma rixa em Carlão, com tiros e feridos, reclamava a nossa presença.
Era preciso agir.
Percorridos escassos quilómetros um automóvel de aluguer despertou a nossa atenção com sinais de luzes e gestos do respectivo condutor. Este dirigia-se para o Hospital local transportando um sexagenário de rosto irreconhecível pelo sangue que parecia jorrar de todos os poros e informou-nos de que havia mais um ferido ou morto. Não perdemos tempo. Era preciso socorrer aquele homem e não éramos nós que lhe podíamos valer. Enquanto aquele se dirigiu para o Hospital, nós retomamos a marcha em direcção a Carlão.
Aquela simpática aldeia fora alvo da nossa visita matinal onde detectamos apenas uma situação de que já havia referências e exigia acção policial. Um indivíduo perfeitamente referenciado conduzia diariamente uma viatura de mercadorias sem estar legalmente habilitado e vimos a viatura suspeita a circular em direcção a nós numa rua de sentido único. Paramos para interceptar o condutor mas este apercebeu-se da nossa presença e, habilmente, encostou a viatura e fugiu a pé sem chegarmos a reconhecê-lo e agir em conformidade com a situação.
Agora, a escassos metros do local onde a viatura fora abandonada, o nosso suspeito jazia inerte no asfalto. Era um indivíduo ainda jovem, menos de trinta anos, casado e pai de três filhos de tenra idade. Estava morto.
A informação então recolhida pelo testemunho das pessoas e pelos vestígios que foi possível recolher deu-nos uma ideia do que teria sucedido.
O mesmo indivíduo que de manhã nos escapara por pouco conduzia novamente a sua viatura, pela mesma rua, e apercebeu-se de uma discussão entre um tio e o veterano cidadão que tinha sido transportado para o Hospital. Então terá dito ameaçadoramente que ia pôr fim à discussão e acelerou a fundo dirigindo-se para casa que em linha recta ficava a escassos cem metros mas para lá chegar tinha de dar a volta ao quarteirão e percorrer cerca de um quilómetro. Instantes depois regressou ao local da discussão a pé, numa correria desenfreada e munido de uma espingarda de caça semi-automática, com capacidade para cinco cartuchos. Era um exímio atirador, coleccionador de troféus nos torneios de tiro aos pratos e um caçador nato, tanto na época de caça como no defeso.
Só que do lado oposto encontrava-se um rival à altura, talvez menos impulsivo mas mais experiente. Enquanto o jovem foi buscar a sua arma, o veterano, que se encontrava junto da própria residência, muniu-se da sua velha caçadeira de dois canos paralelos, carregada e pronta para o que desse e viesse.
Os tiros ecoaram em uníssono, sinistramente, pelas ruas da pacata localidade.
Pelo que apuramos foram três os disparos e foi impossível determinar qual dos contendores terá disparado primeiro. Talvez tenha sido o veterano, um tiro com cartucho de chumbo, alto, apenas para intimidar, dado que as marcas se encontravam numa parede por trás do local onde jazia o jovem. Este, com a frieza que lhe era peculiar nos torneios em que participava, disparou certeiro. Uma parte do escaldante chumbo atingiu o rival no antebraço esquerdo e no rosto e outra parte descreveu um semicírculo, acompanhando os contornos da cabeça, num portão de chapa à sua retaguarda.
Talvez tenha sido instintivamente que o veterano disparou o segundo tiro pois o chumbo do adversário deixou-o cego para sempre. Este segundo tiro foi fatal para o jovem. A metralha do cartucho era pesada, própria para caça maior, e um grosso zagalote perfurou o crânio do desditoso indvíduo.
Ironia do destino.
Se naquela manhã tivesse sido detido por condução ilegal talvez ainda hoje fosse o caçador furtivo mais temido de Carlão e eu teria de encontrar outro tema para aqui desenvolver...

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Promessas

Preparou-se como uma noiva, precoce, temporã, para me presentear com os seus deliciosos frutos aí por meados de Maio. E é um regalo para a vista mas, certamente, não será mais do que isso. O frio e a chuva vão fazer com que muitas das flores caiam no chão estéreis. Com muita mágoa minha...

Mesmo assim, se uma quarta parte conseguir vingar, ainda vai ser uma festa.

Se isso acontecer, hei-de apresentar a reportagem. Fica a promessa.