sexta-feira, 31 de outubro de 2008

O Tesouro Encantado (XIII)

Não foi tarefa fácil. O tojo, os enormes piornos, as giestas, as urzes e outra vegetação rasteira, mau grado a existência de alguns estreitos carreiros, constituíam um obstáculo que crescia de dificuldade à medida que se aproximava do perigoso promontório. E era preciso também redobrar o cuidado porque um passo em falso poderia originar a queda no abismo onde certamente morreria, se não da queda, pela falta de ajuda para dali sair. Neste sentido o bando das agoirentas aves tornou-se um precioso auxiliar. Já ouvia a sua algazarra e até viu algumas a esvoaçarem por cima da sua cabeça. Estava quase lá. De repente aparece uma rocha mais elevada que sabia ser o ponto mais alto da Torre. Para lá dessa rocha só se vislumbrava o infinito.
Aproximou-se agarrado aos arbustos e por fim começou a escalar o pardo rochedo. Agora era fácil. Completamente colado à massa granítica arrastou-se até à borda do precipício. Algumas pequenas pedras soltas resvalaram e despenharam-se nas profundezas espantando a passarada que se empoleirava nas saliências graníticas e só passados longos segundos ouviu o baque surdo das mesmas a embater no solo.
A paisagem que agora se abria perante os seus olhos era pavorosa. À direita ficava a Corga da Calhe, recortada quase a prumo, que prosseguia pelo estreitíssimo vale abaixo através de um desfiladeiro que parecia interminável. À esquerda a serra começava a suavizar os seu contornos até se esbater no planalto do Arroio. Em frente era o abismo...
A custo conseguiu espreitar para as profundezas mas à primeira tentativa não viu nada de anormal. Voltou a olhar de novo sem resultado. Mas de repente, dois ousados corvos pousaram num pequeno arbusto bem lá no sopé do rochedo. De seguida um deles saltou para cima duma espécie de pedregulho escuro sobre o qual ferrou umas frenéticas bicadas voltando a elevar-se nos ares desconfiado. Só então conseguiu vislumbrar uma forma parecida com um corpo humano. A altitude ou o estranho achado causaram-lhe vómitos e sentiu o ritmo cardíaco a aumentar assustadoramente. Tinha de agir ligeiro.
O grande problema eram as comunicações. Porém isso não era dificuldade que não fosse ultrapasssada por aquela gente que, habituada a viver isolada na montanha, desde sempre arranjou formas de comunicar e o Amadeu não se ficou de braços cruzados. Gritou com todas as forças até que alguém lhe respondeu dos lados do Coto da Aradeira, dali a mensagem voou até à Corte da Mílhara e depressa chegou a Cavenca: O Amadeu tinha descoberto um corpo no sopé da Torre dos Ferreiros e era preciso avisar a Guarda rapidamente.
Um mensageiro abandonou o lugar a toda a brida. Depressa desapareceu para lá dos Valados, atravessou o monte da Pegada, desceu até Quartas, sem se deter alcançou o lugar da Portela e só parou no estabelecimento comercial do senhor Regedor, que também servia de posto de correios e era o único sítio onde se encontrava um primitivo telefone.

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Encravado...

Desde finais de Setembro que este corajoso ginete, o argentino Eduardo Díscoli, se encontra "encravado" no sul de Israel, em Eilat, a tentar seguir adelante, para a Jordânia, ou para o Egipto.
Mas as coisas por ali não são fáceis e parece notar-se alguma inquietação, não tento por ele mas pelos cavalos. A alimentação para eles por ali não abunda e vai sobrevivendo à custa da ajuda de amigos que lhe providenciam alguma ração desde mais de 200 quilómetros!!!
Mas o Homem não se rende facilmente e escreveu que "mi espíritu combativo sigue intacto, y que yo sin los caballos no vuelvo".
As piores barreiras são as burocráticas e... vamos aguardar. As minhas intervenções quase sempre são seguidas de novos avanços. Por isso, vamos adelante D. Eduardo!

Militares

«Essa gente pode fazer alguns disparates, mas que poderão ter uma certa repercussão pública não só nacional, mas até internacional e portanto ter também efeitos muito negativos para a nossa democracia avançada e madura»
Veio hoje a lume mais uma das premonições dramáticas do Senhor General Loureiro dos Santos, via TSF, de cuja página online extraí o texto de abertura e onde "essa gente" não é mais do que a mais jovem componente humana da instituição militar.
Por outras vias chegou-me "às mãos" um texto muito mais amplo, atribuído ao mesmo General, onde se lê, a determinada altura:
"Até agora têm falado e agido os mais velhos, logo os mais conhecedores, os mais compreensivos, os mais cautelosos. Mas atenção aos jovens. Os mais jovens são os mais generosos de todos nós, mas são também os mais sensíveis a injustiças, os mais corajosos e destemidos, os mais puros nas suas intenções, os mais temerários (muitas vezes imprudentes)".
À primeira vista parece que subliminarmente ao texto há uma ameaça velada, o que já foi esclarecido pelo Senhor General. Mas não deixa de ser sintomático o facto destas declarações surgirem numa altura em que muito se discute sobre o futuro das carreiras militares, nomeadamente o reconhecimento de um estatuto remuneratório diferenciado que acautele a especificidade da profissão, onde pontifica a permanente disponibilidade para o serviço e a exigência do cumprimento de um juramento que hipoteca a própria vida em prol da Pátria, argumentos por si sós suficientes para lhes dedicar alguma atenção.
Contudo, talvez seja apenas uma forma de exercer pressão, porque outro mérito não me parece encerrar.
É que como dizia um insigne Professor de Ciência Política, existem três vias para aceder ao poder pela via dita democrática: controlar a educação, controlar as forças armadas e controlar a comunicação social. E nesta matéria, ao longo dos ditos 33 anos de democracia, alguns fizeram bem o "trabalho de casa".

domingo, 26 de outubro de 2008

Erros do Sistema

A administração errada de medicamentos aos doentes hospitalizados é responsável pela morte anual de 7.000 portugueses. Apesar de serem evitáveis, "estes erros existirão sempre e sem culpados" pois "é o sistema que falha", disse à Lusa a presidente da Associação Portuguesa dos Farmacêuticos Hospitalares.

Ia encerrar as actividades por hoje mas esta notícia deixou-me estupefacto. Uma prescrição ilegível, uma troca de embalagem ou simplesmente fazer engolir os medicamentos prescritos a um doente ao outro do lado pode matar. E a culpa é do "sistema"...
Assim todos ficamos a saber que se tivermos o azar de ir parar à cama do Hospital temos muitas hipóteses de sermos vítimas do "sistema". Espero bem que o senhor "sistema" seja demitido porque se não vai dar cabo de toda a gente.
Isto do "sistema" não era só no futebol?

O Tesouro Encantado (XII)

Os dias passavam lentamente e a vida na pequena aldeia ia retomando o ritmo normal.
Uma semana depois da Guarda dar o caso por encerrado o Amadeu foi segar feno para um campo lá na serra, do outro lado da Corga da Calhe, que forma a divisória entre as freguesias de Riba de Mouro e da Gave e, consequentemente, dos concelhos de Monção e de Melgaço.
Interrompeu a azáfama a meio da manhã para uma ligeira refeição, que o corpo não tem raízes na terra. Enquanto mastigava lentamente um pedaço de pão com chouriço a sua atenção concentrou-se num ruidoso movimento de pássaros, pouco usual, junto a uma mole rochosa conhecida pela Torre dos Ferreiros, na encosta do lado fronteiro àquele onde se encontrava.
Era um bando de aves negras, pareciam corvos, que grasnavam agitadas em torno de um ponto definido ao fundo do precipício.
Conhecia bem os hábitos daquelas agourentas aves que só agiam assim em circunstâncias muito peculiares, quer fosse em torno de uma águia, sua inimiga habitual, quer fosse em torno de alguma preia em putrefacção.
Águia não era, de certeza. As lutas com estas majestosas aves desenrolavam-se sempre nos céus e os malditos corvos quase sempre obrigavam a rainha dos ares a debandar, não por serem mais poderosos mas porque são muito mais ágeis e atacam sempre em bando. Por exclusão de partes só podia ser animal morto, já não era a primeira vez que acontecia andarem as vacas a pastar lá no alto e despenharem-se no abismo, de que resultava certa a morte. Ainda se lembrou do Zé da Bina mas... podia lá ser... Nunca poderia ir ali parar e sofrer um acidente daquela natureza. É certo que a Fonte do Seixo não fica assim tão longe mas entre os dois locais ainda se intromete uma cumeada de respeito, coberta de mato... Não, não podia ser...
Recomeçou o trabalho mas a persistência das aves naquela algazarra infernal e a ideia que lhe continuava a latejar no cérebro não lhe permitiam concentrar-se no que estava a fazer. Tinha que ir lá ver o que se passava, não ficava descansado se não o fizesse.
Neste propósito meteu-se a caminho. Ainda era longe porque tinha de contornar a medonha Cabeça da Fraga. E para isso tinha de subir a encosta até ao caminho que levava da Gave à Branda da Aveleira, contornar a serra lá pelo cimo do imenso cabeço e descer depois pela cumeada entre a Corga da Calhe e a Corga do Arroio. Depois tinha que inflectir para a direita e ir até ao alto da Torre dos Ferreiros ver se lá de cima conseguia descortinar a causa da frenética actividade dos pássaros.

Indignação


Se pudesse trocava uma só palavra do texto superiormente declamado por Rolando Boldrin. Quem me sabe dizer qual é?
Dou uma pista: é um adjectivo...

Beijinho Doce

sábado, 25 de outubro de 2008

O Pedro Macau

Eu sou o Pedro Macau
Carrego às costas este pau.
Por mim passa muito patego,
Uns de focinho branco,
Outros, de focinho negro.
E nenhum me tira deste degredo.

Francisco Luís Barreiros, de Barbeita, foi o escultor das magníficas estátuas que se podem apreciar na escadaria(1) da Senhora da Peneda, que se designam, no sentido ascendente, por Fé, Esperança, Caridade e Glória.
O contrato de adjudicação consta no livro de actas do Santuário, datado de 7 de Setembro de 1860, e o reconhecido mestre estatuário assinou de cruz o que significa que era analfabeto(2).
Pois segundo refere o Padre Bernardo Pintor (2005, pág. 269) foi ele mesmo o autor do célebre Pedro Macau, estátua que se pode ver do lado esquerdo da Estrada Nacional (antiga) que liga Monção a Melgaço, uns metros antes da Ponte do Mouro. E também lhe é atribuída a construção da ponte sobre o Mouro, no mesmo lugar, em arco abatido, na estrada real de Monção a Melgaço.
Diz mais o Padre Bernardo que a estátua foi construída devido a uns atritos que o mestre Barreiros teve com o chefe dos carabineiros, o que não é de estranhar devido ás relações estreitas que sempre se verificaram entre os habitantes de um lado e do outro do rio, o Minho, claro.
Mas o que meu Pai contava era uma versão diferente e que eu acolho como mais fiável do que a do estudioso Padre.
Dizia meu Pai que o Mestre, sem mencionar o nome, andava empenhado na construção da ponte e passou por lá um caminhante galego, com um pau às costas, que depois de observar por alguns instantes a obra e o respectivo projecto lhe disse que nunca seria capaz de fechar o arco como estava delineado. O Mestre respondeu-lhe que não só seria capaz de concluir a obra conforme estava projectada como ainda o havia de esculpir a ele tal como se apresentava.
O galego foi embora e passados uns anos, ao passar no mesmo local, verificou com espanto que lá estava, em cima de uma das guardas da ponte já concluída, a sua estátua, com um pau às costas. E tal foi a vergonha que morreu de desgosto.
“Pedro Macau/ Que nas costas leva um pau”, dizem os versos à beira do caminho em Viagem ao Princípio do Mundo: a estátua de um homem ajoelhado com uma viga no ombro é a imagem de uma condição corpo-espírito não sacrificial, mas lugar contra-trascendente onde o desafio não é obstáculo mas lugar de sua própria actuação. “Somos todos Pedro Macau” – conclui o personagem”(3).

(1)-É designada, vulgarmente, por escadório.
(2)-Pintor, Padre Manuel António Bernardo, Obra Histórica I, Rotary Club de Monção, 2005
(3)-http://www.contracampo.com.br/50/manoeldeoliveira.htm

Monção em Imagens IV

Começamos hoje pelo Beco da Matriz (baixinho, para que ninguém nos ouça, à esquerda fica a "Casa Copita" onde se pode beber o melhor verde tinto da região, pela tigela, como deve ser...)

Como o nome indica fica mesmo próximo da Igreja Matriz de que vemos o lado norte, com o antigo Hospital da Misericórdia ao fundo.

E a Igreja Matriz, um edifício com algum interesse arquitectónico com vestígios de estilo românico e dotada de um magnífico trabalho em talha dourada no altar mor. Claro que os Chambres/Rooms não são na Igreja :)

A Rua Direita, que como todas as ruas direitas é torta, hoje designada Rua Dr. Adriano Machado, não sei por que "carga de água".

E terminamos no último troço da Rua Direita, com a Praça Deuladeu ao fundo.

Mudança de Horário


27 países da UE atrasam uma hora os seus relógios na madrugada deste domingo

Amanhã, para mim, será mais um dia igual a muitos outros, ou melhor, será menos um dia se considerarmos que todos os dias são etapas rumo a um objectivo.
Contudo, para aqueles que gostam de ficar na "boémia" até às tantas é a única oportunidade no período de um ano em que a noite tem mais uma hora.
Por isso, aproveitem.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

O Tesouro Encantado (XI)

Naquelas casas não havia necessidade de usar despertador. A luz solar comandava tudo e bem cedo a luz do dia penetrou nos aposentos dos guardas por inúmeras frinchas e buracos no tecto de telha vã.
Era perfeitamente audível a azáfama na casa dos anfitriões. O cantar matinal do galo, que como um clarim da tropa comandava tudo, marcava a hora de levantar. Toda a gente tinha tarefas definidas: alimentar e ordenhar as vacas, alimentar os vitelos, porcos, galinhas e coelhos, abrir o curral das cabras e ovelhas para juntar o rebanho à vezeira que de madrugada demandava o monte para se alimentar. Só depois é que se reuniam na cozinha para tomar a primeira refeição do dia, o pequeno almoço, que ali se designava almoço, quase sempre constituído por uma sopa da véspera requentada ou uma escaldante e gorda água de unto feita na hora.
Para os ilustres hóspedes a dona Delmira tinha preparado algo mais caprichado, uma mistura de café preparado num púcaro de barro escuro como breu, ao qual não faltou a adição de uma incandescente brasa para assentar, e um fervedor de leite inteiríssimo acabado de sair do úbere da generosa Pisca, tudo acompanhado com a imprescindível broa de milho.
Mal acabara de colocar os recipientes em cima do bufete guarnecido com uma alva toalha de linho que já atravessara várias gerações apareceram, garbosos, os senhores guardas. Pareciam outros, perfeitamente escanhoados, as botas, as polainas, os botões e fivelas a brilhar, a farda sem um grão de poeira. Até parecia que iam desfilar numa daquelas imponentes paradas de que se ouvia falar. Mas não, era um ritual que lhes fora incutido desde que envergaram a farda da tropa, que se manteve e reforçou na Guarda e que assumiam de forma espontânea onde quer que se encontrassem, numa clara manifestação de brio e de profissionalismo exemplares.
- Pois é, senhor João, estive a pensar e acho que é melhor efectuar uma busca pela serra à procura do rapaz - disse o comandante dirigindo-se ao seu anfitrião – algo me diz que ficou por lá...
- Como vocemessê quiser, se for preciso toca-se o sino que depressa se junta gente para varrer a serra num instante... mas cá para mim ele não vai aparecer nunca... Aquilo é obra do diabo! Para o que lhes havia de dar...
Dali a instantes uma pequena multidão de voluntários de todas as idades, homens e mulheres, demandava a serra em busca do desaparecido.
Organizaram-se de forma a não deixar beco, ravina, barroca ou cortelho por revistar. Todas as possibilidades de percurso, de Cavenca até à Fonte do Seixo, foram minuciosamente exploradas. Alguns mais curiosos ainda se aproximaram da clareira onde decorrera o fatídico evento mas ao ver o que restava do estranho ritual persignavam-se e afastavam-se lestos. No final, nada. Nem rasto do Zé da Bina.
Já a tarde ia a meio quando o Cabo da Guarda e o seu ordenança abandonaram Cavenca. Era um ponto final numa investigação que até tinha sido muito profícua mas o resultado não permitia considerar o caso encerrado. Era apenas uma pausa para fazer os relatórios que se impunham e aguardar pelos desenvolvimentos futuros.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Estatuto do Trabalhador-Estudante IV

Regulamento do Código do Trabalho
Lei nº 35/2004 de 29 de Julho
...
CAPÍTULO IX
Trabalhador-estudante
Artigo 147º
Âmbito
1 — O presente capítulo regula o artigo 85º, bem como a alínea c) do nº 2 artigo 225º do Código do Trabalho.
2 — Os artigos 79º a 85º do Código do Trabalho e o presente capítulo aplicam-se à relação jurídica de emprego público que confira ou não a qualidade de funcionário ou agente da Administração Pública.
Artigo 148º
Concessão do estatuto de trabalhador-estudante
1 — Para poder beneficiar do regime previsto nos artigos 79º a 85º do Código do Trabalho, o trabalhador-estudante deve comprovar perante o empregador a sua condição de estudante, apresentando igualmente o respectivo horário escolar.
2 — Para efeitos do nº 2 do artigo 79º do Código do Trabalho, o trabalhador deve comprovar:
a) Perante o empregador, no final de cada ano lectivo, o respectivo aproveitamento escolar;
b) Perante o estabelecimento de ensino, a sua qualidade de trabalhador, mediante documento comprovativo da respectiva inscrição na segurança social ou que se encontra numa das situações previstas no artigo 17º da Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto.
3 — Para efeitos do número anterior considera-se aproveitamento escolar o trânsito de ano ou a aprovação em, pelo menos, metade das disciplinas em que o trabalhador-estudante esteja matriculado ou, no âmbito do
ensino recorrente por unidades capitalizáveis no 3º ciclo do ensino básico e no ensino secundário, a capitalização de um número de unidades igual ou superior ao dobro das disciplinas em que aquele se matricule, com um mínimo de uma unidade de cada uma dessas disciplinas.
4 — É considerado com aproveitamento escolar o trabalhador que não satisfaça o disposto no número anterior
por causa de ter gozado a licença por maternidade ou licença parental não inferior a um mês ou devido a acidente de trabalho ou doença profissional.
5 — O trabalhador-estudante tem o dever de escolher, de entre as possibilidades existentes no respectivo estabelecimento de ensino, o horário escolar compatível com as suas obrigações profissionais, sob pena de não poder beneficiar dos inerentes direitos.
Artigo 149º
Dispensa de trabalho
1 — Para efeitos do nº 2 do artigo 80º do Código do Trabalho, o trabalhador-estudante beneficia de dispensa de trabalho até seis horas semanais, sem perda de quaisquer direitos, contando como prestação efectiva de serviço, se assim o exigir o respectivo horário escolar.
2 — A dispensa de trabalho para frequência de aulas prevista no nº 1 pode ser utilizada de uma só vez ou fraccionadamente, à escolha do trabalhador-estudante, dependendo do período normal de trabalho semanal aplicável, nos seguintes termos:
a) Igual ou superior a vinte horas e inferior a trinta horas — dispensa até três horas semanais;
b) Igual ou superior a trinta horas e inferior a trinta e quatro horas — dispensa até quatro horas semanais;
c) Igual ou superior a trinta e quatro horas e inferior a trinta e oito horas — dispensa até cinco horas semanais;
d) Igual ou superior a trinta e oito horas — dispensa até seis horas semanais.
3 — O empregador pode, nos 15 dias seguintes à utilização da dispensa de trabalho, exigir a prova da frequência de aulas, sempre que o estabelecimento de ensino proceder ao controlo da frequência.
Artigo 150º
Trabalho suplementar e adaptabilidade
1 — Ao trabalhador-estudante não pode ser exigida a prestação de trabalho suplementar, excepto por motivo de força maior, nem exigida a prestação de trabalho em regime de adaptabilidade, sempre que colidir com o seu horário escolar ou com a prestação de provas de avaliação.
2 — No caso de o trabalhador realizar trabalho em regime de adaptabilidade tem direito a um dia por mês de dispensa de trabalho, sem perda de quaisquer direitos, contando como prestação efectiva de serviço.
3 — No caso de o trabalhador-estudante realizar trabalho suplementar, o descanso compensatório previsto no artigo 202º do Código do Trabalho é, pelo menos, igual ao número de horas de trabalho suplementar prestado.
Artigo 151º
Prestação de provas de avaliação
1 — Para efeitos do artigo 81.o do Código do Trabalho, o trabalhador-estudante tem direito a faltar justificadamente ao trabalho para prestação de provas de avaliação nos seguintes termos:
a) Até dois dias por cada prova de avaliação, sendo um o da realização da prova e o outro o imediatamente anterior, aí se incluindo sábados, domingos e feriados;
b) No caso de provas em dias consecutivos ou de mais de uma prova no mesmo dia, os dias anteriores são tantos quantas as provas de avaliação a efectuar, aí se incluindo sábados, domingos e feriados;
c) Os dias de ausência referidos nas alíneas anteriores não podem exceder um máximo de quatro por disciplina em cada ano lectivo.
2 — O direito previsto no número anterior só pode ser exercido em dois anos lectivos relativamente a cada disciplina.
3 — Consideram-se ainda justificadas as faltas dadas pelo trabalhador-estudante na estrita medida das necessidades impostas pelas deslocações para prestar provas de avaliação, não sendo retribuídas, independentemente do número de disciplinas, mais de 10 faltas.
4 — Para efeitos de aplicação deste artigo, consideram-se provas de avaliação os exames e outras provas escritas ou orais, bem como a apresentação de trabalhos, quando estes os substituem ou os complementam, desde que determinem directa ou indirectamente o aproveitamento escolar.
Artigo 152º
Férias e licenças
1 — Para efeitos do nº 1 do artigo 83º do Código do Trabalho, o trabalhador-estudante tem direito a marcar o gozo de 15 dias de férias interpoladas, sem prejuízo do número de dias de férias a que tem direito.
2 — Para efeitos do nº 2 do artigo 83º do Código do Trabalho, o trabalhador-estudante, justificando-se por motivos escolares, pode utilizar em cada ano civil, seguida ou interpoladamente, até 10 dias úteis de licença sem retribuição, desde que o requeira nos seguintes termos:
a) Com quarenta e oito horas de antecedência ou, sendo inviável, logo que possível, no caso de pretender um dia de licença;
b) Com oito dias de antecedência, no caso de pretender dois a cinco dias de licença;
c) Com 15 dias de antecedência, caso pretenda mais de 5 dias de licença.
Artigo 153º
Cessação de direitos
1 — Os direitos conferidos ao trabalhador-estudante em matéria de horário de trabalho, de férias e licenças, previstos nos artigos 80º e 83º do Código do Trabalho e nos artigos 149º e 152º, cessam quando o trabalhador-estudante não conclua com aproveitamento o ano escolar ao abrigo de cuja frequência beneficiou desses mesmos direitos.
2 — Os restantes direitos conferidos ao trabalhador-estudante cessam quando este não tenha aproveitamento em dois anos consecutivos ou três interpolados.
3 — Os direitos dos trabalhadores-estudantes cessam imediatamente no ano lectivo em causa em caso de falsas declarações relativamente aos factos de que depende a concessão do estatuto ou a factos constitutivos de direitos, bem como quando tenham sido utilizados para fins diversos.
4 — No ano lectivo subsequente àquele em que cessaram os direitos previstos no Código do Trabalho e neste capítulo, pode ao trabalhador-estudante ser novamente concedido o exercício dos mesmos, não podendo esta situação ocorrer mais do que duas vezes.
Artigo 154º
Excesso de candidatos à frequência de cursos
1 — Sempre que a pretensão formulada pelo trabalhador-estudante no sentido de lhe ser aplicado o disposto no artigo 80º do Código do Trabalho e no artigo 149º se revele, manifesta e comprovadamente, comprometedora do normal funcionamento da empresa, fixa-se, por acordo entre o empregador, trabalhador
interessado e comissão de trabalhadores ou, na sua falta, comissão intersindical, comissões sindicais ou delegados sindicais, as condições em que é decidida a pretensão apresentada.
2 — Na falta do acordo previsto na segunda parte do número anterior, o empregador decide fundamentadamente, informando por escrito o trabalhador interessado.
Artigo 155º
Especificidades da frequência de estabelecimento de ensino
1 — O trabalhador-estudante não está sujeito à frequência de um número mínimo de disciplinas de determinado curso, em graus de ensino em que isso seja possível, nem a regimes de prescrição ou que impliquem mudança de estabelecimento de ensino.
2 — O trabalhador-estudante não está sujeito a qualquer disposição legal que faça depender o aproveitamento
escolar de frequência de um número mínimo de aulas por disciplina.
3 — O trabalhador-estudante não está sujeito a limitações quanto ao número de exames a realizar na época de recurso.
4 — No caso de não haver época de recurso, o trabalhador-estudante tem direito, na medida em que for legalmente admissível, a uma época especial de exame em todas as disciplinas.
5 — O estabelecimento de ensino com horário pós-laboral deve assegurar que os exames e as provas de avaliação, bem como serviços mínimos de apoio ao trabalhador-estudante decorram, na medida do possível, no mesmo horário.
6 — O trabalhador-estudante tem direito a aulas de compensação ou de apoio pedagógico que sejam consideradas imprescindíveis pelos órgãos do estabelecimento de ensino.
Artigo 156º
Cumulação de regimes
O trabalhador-estudante não pode cumular perante o estabelecimento de ensino e o empregador os benefícios conferidos no Código do Trabalho e neste capítulo com quaisquer regimes que visem os mesmos fins, nomeadamente no que respeita à inscrição, dispensa de trabalho para frequência de aulas, licenças por motivos escolares ou prestação de provas de avaliação.


Fica assim concluída a apresentação do Estatuto do Trabalhador-Estudante. Espero que este pequeno contributo sirva para situar melhor neste contexto os eventuais interessados. Penso que é uma situação que afecta muitos trabalhadores e deve haver, nas instituições e nas empresas, a abertura suficiente para a melhor forma de o aplicar sem causar danos a uns nem a outros.

La Paloma

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Solo le Pido a Dios


Um email enviado por um amigo que muito prezo impeliu-me a prestar esta pequena homenagem a Mercedes Sosa.
Escutem!

Estatuto do Trabalhador-Estudante III

Já abordei este tema em posts anteriores, aqui e aqui, mas tenho vindo a constatar que há muita procura de informação acerca desta matéria. Assim, extraí para aqui o que de mais recente existe em termos legais, publicando por agora apenas a parte do Código do Trabalho (que está em revisão), ficando para nova oportunidade a respectiva regulamentação.
Assim
Código do Trabalho
Lei n.º 99/2003 de 27 de Agosto
...
SUBSECÇÃO VIII
Trabalhador-estudante
Artigo 79.º
Noção
1 - Considera-se trabalhador-estudante aquele que presta uma actividade sob autoridade e direcção de outrem e que frequenta qualquer nível de educação escolar, incluindo cursos de pós-graduação, em instituição de ensino.
2 - A manutenção do Estatuto do Trabalhador-Estudante é condicionada pela obtenção de aproveitamento escolar, nos termos previstos em legislação especial.
Artigo 80.º
Horário de trabalho
1 - O trabalhador-estudante deve beneficiar de horários de trabalho específicos, com flexibilidade ajustável à frequência das aulas e à inerente deslocação para os respectivos estabelecimentos de ensino.
2 - Quando não seja possível a aplicação do regime previsto no número anterior o trabalhador-estudante beneficia de dispensa de trabalho para frequência de aulas, nos termos previstos em legislação especial.
Artigo 81.º
Prestação de provas de avaliação
O trabalhador-estudante tem direito a ausentar-se para prestação de provas de avaliação, nos termos previstos em legislação especial.
Artigo 82.º
Regime de turnos
1 - O trabalhador-estudante que preste serviço em regime de turnos tem os direitos conferidos no artigo 80.º, desde que o ajustamento dos períodos de trabalho não seja totalmente incompatível com o funcionamento daquele regime.
2 - Nos casos em que não seja possível a aplicação do disposto no número anterior o trabalhador tem preferência na ocupação de postos de trabalho compatíveis com a sua aptidão profissional e com a possibilidade de participar nas aulas que se proponha frequentar.
Artigo 83.º
Férias e licenças
1 - O trabalhador-estudante tem direito a marcar as férias de acordo com as suas necessidades escolares, salvo se daí resultar comprovada incompatibilidade com o mapa de férias elaborado pelo empregador.
2 - O trabalhador-estudante tem direito, em cada ano civil, a beneficiar de licença prevista em legislação especial.
Artigo 84.º
Efeitos profissionais da valorização escolar
Ao trabalhador-estudante devem ser proporcionadas oportunidades de promoção profissional adequadas à valorização obtida nos cursos ou pelos conhecimentos adquiridos, não sendo,todavia, obrigatória a respectiva reclassificação profissional por simples obtenção desses cursos ou conhecimentos.
Artigo 85.º
Legislação complementar
O regime da presente subsecção é objecto de regulamentação em legislação especial.

Convém ressalvar que, apesar de ser uma Lei geral e abstracta, de observação obrigatória e perante a qual todos os cidadãos são iguais, de acordo com os princípios da Constituição da República Portuguesa, os direitos aqui consagrados não são iguais para todos, nalguns casos porque alguém sentenciou que as leis especiais derrogam as gerais, mesmo sendo um decreto lei, uma portaria ou um mero despacho, e noutros porque aqueles que representam a entidade patronal dizem NAUM porque lhes apetece.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

O Tesouro Encantado (X)

Havia apenas uma certeza. Tinha participado activamente na aventura e fora ele a descobrir o livro maldito cujo paradeiro fora, até ali, uma incógnita. Há coisas do diabo, dizia-se, e aquele caso era o tema do momento na pequena aldeia serrana, onde havia uma inquestionável crença nos poderes sobrenaturais das bruxas e dos santos e uma inabalável fé em Deus e no Diabo. Por isso começava a ganhar forma a ideia de que naquele momento já se encontraria a arder os horrores infernais arrebatado da Terra pelas poderosas garras de Satanás transformado em morcego descomunal e de nada serviria procurá-lo por onde quer que fosse.
Só que o Cabo da Guarda não era homem de se acomodar a uma explicação tão simplista e desprovida de fundamentos plausíveis. Por isso decidiu pernoitar na aldeia para continuar as diligências no dia seguinte, que na ânsia de ver esclarecido o intrincado caso nem deu pelo tempo a passar e era já noite cerrada.
Era costume aboletarem-se em casa do João Sapateiro, no sítio do Regueiro, e foi para lá que se dirigiram.
A dona da casa, que durante o dia se esfalfava nas lides do campo e em casa superintendia em tudo, já providenciara uma frugal refeição, com recurso aos produtos da casa, que naquele tempo não havia equipamentos de frio e era tudo conservado por métodos ancestrais ou consumido fresco, da horta ou da capoeira. Umas simples batatas e couves cozidas com um pedaço de lacão, uma espécie de presunto feito com o pernil e a pá do porco, com a sua licença, como era usual dizer-se, fizeram as delícias da família e dos hóspedes. Remataram a ceia com uma sopa de leite que, como o nome indica, não era mais do que uma mistura de água, leite e farinha de milho para engrossar.
Ainda permaneceram um pouco à mesa, sob a pálida luz de uma candeia a petróleo, a conversar do tema da actualidade, como não podia deixar de ser, mas, cansados, cedo se retiraram para os aposentos já de todos conhecidos.
Sabia bem repousar, despojado da incómoda farpela, naqueles simples catres guarnecidos com uns almadraques cheios de palha de centeio. Apesar do desgaste de muitas noites de uso, as roupas fabricadas artesanalmente nos teares domésticos exalavam um cheiro fresco e agradável e rapidamente se afundaram num sono profundo e regenerador.

domingo, 19 de outubro de 2008

Monção em Imagens III

O passeio de hoje começa na Fonte da Vila. Um espaço bem preservado, num recanto acolhedor mas um pouco escondido aos olhos de quem passa.

Em frente fica o Largo João de Deus em cujo centro fica a Estátua ao Emigrante, uma homenagem bem merecida a todos quantos foram (e continuam a ser) obrigados a procurar melhores condições de vida lá fora.

No outro extremo da mesma praça fica o Arquivo Municipal, um edifício em boa hora adquirido e restaurado pela autarquia, para não acontecer o mesmo que sucedeu no espaço situado à direita da fotografia...

Por detrás do Arquivo Municipal fica a zona mais antiga e, quiçá, a mais bela de Monção. Foi aqui que nasceu o mais celebrado poeta monçanense.
Este é o guardião da casa. Vejam só o ar feroz do bicho...

Praça de Espanha - Lisboa




É... linda!!!

Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado

Associação Sindical dos Juízes Portugueses anuncia na próxima semana o protocolo celebrado com uma seguradora para cobrir os eventuais erros judiciais pelos quais os juízes possam vir a ser responsabilizados com o novo regime de responsabilidade civil extra contratual do Estado.
http://dn.sapo.pt/2008/10/19/sociedade/seguradoras_pagam_1_milhao_erros_jui.html



É... preocupante...

Como na Tropa

Enfrentar vários obstáculos, ter de matar para comer, viabilizar uma empresa em dificuldades ou resgatar um piloto ferido de uma zona em confito durante a noite. Eis algumas tarefas que sócios da ANJE cumprem até terça-feira.
http://jn.sapo.pt/PaginaInicial/Sociedade/Interior.aspx?content_id=1031134



É... brincadeira...

Trabalho?

Portugal é dos países com menos horas efectivas de trabalho por semana, de acordo com um estudo da Eurofound. A população empregada do país trabalha menos 1,2 horas do que a média e menos 2,9 do que nos países mais laboriosos.
http://jn.sapo.pt/PaginaInicial/Economia/Interior.aspx?content_id=1031111


É... sintomático...

Poliamor

Relações múltiplas, simultâneas e consentidas. Não é só sexo. Sexo e afecto. Amores múltiplos. Poliamor. Um conceito novo para uma prática que sempre terá existido e que desafia um dos tabus maiores da nossa sociedade: a monogamia.
http://jn.sapo.pt/PaginaInicial/Sociedade/Interior.aspx?content_id=1031151



É... interessante...

sábado, 18 de outubro de 2008

Do Rio Tua ao Rio Pinhão - O Senhor "General"

Homem pequeno, saco de veneno, diz o povo. E eu confirmo e juro por tudo que é bem verdade. Um deles já foi protagonista de uma das minhas estórias verdadeiras e esta segue na senda da anterior, não tanto pelo enredo mas mais pela localização geográfica.
Pois o homenzinho era mesmo baixinho mas os homens não se medem aos palmos. O facto é que uma velha contenda com um vizinho foi por ele resolvida com um tiro de caçadeira, derrubando-o de um andaime onde desenvolvia a sua actividade na construção civil.
Foi preso e condenado, expiou a pena que lhe foi imposta e regressou a casa. Só que as coisas aqui tinham mudado muito e os problemas com um genro, reformado por invalidez, beberrão e de mau feitio começaram a agitar a localidade e a dar muito trabalho às forças policiais que ali tinham de se deslocar com frequência para dirimir os conflitos e garantir a ordem.
De tal modo que já cansado de acorrer ou mandar acorrer às solicitações ora de um, ora do outro, ameaçei-o de que o "metia" de novo na cadeia para cumprir o resto da pena que lhe faltava, que bastava apenas informar o Tribunal de Execução de Penas do que se estava a passar.
A ameaça deixou o homem apavorado e não sei com quem falou mas dali a dias recebi a visita de um funcionário dos serviços prisionais a inquirir sobre o comportamento do ex-presidiário. Desvalorizei tudo e informei-o que, mau grado os conflitos em que estava envolvido, não havia necessidade de revogar a liberdade condicional, até porque me parecia, sinceramente, que era o menos culpado.
O caso era que o genro construiu uma casa no terreno do sogro e ali vivia com a mulher e os filhos. Só que enquanto este cumpria a pena as relações do casal (genro e filha) "azedaram" e a mulher abandonou a casa deixando ali o marido cada vez mais beberrão e apalermado.
Se um não era "boa rês", o outro não era melhor e das simples discussões passaram a actos mais concretos, chegando ao ponto do genro ter atirado um cocktail molotov para a casa do sogro, só não causando uma enorme tragédia por os habitantes se terem apercebido e apagado as chamas que começavam a deflagrar.
Assim, era recorrente a chamada de um e outro ao Posto para Inquérito, umas vezes para serem ouvidos como arguidos, outras como ofendidos.
Um dia encontrava-me à minha secretária de trabalho e o telefone tocou. Atendi, como de costume, declarando que falava do Posto da GNR de... ao que retorquiu o homenzinho: - Quem fala é o sr comandante, o sr general ou alguma praça? Algo embaraçado com a interpelação identifiquei-me e tomei conhecimento do motivo da chamada mas fiquei "com a pulga atrás da orelha". Quem seria o general a que o meu interlocutor se referira?
Volvidos dois ou três dias o mistério desvaneceu-se. O nosso homem apresentou-se no Posto para ser ouvido por causa das constantes "sarrafuscas" com o genro, como sempre muito bem vestido, de fato e gravata e com uma inseparável porchete na mão.
O meu gabinete servia para tudo: era secretaria, sala de inquéritos, gabinete de recepção de queixas... Por isso, o Cabo que estava encarregado dos inquéritos chamou-o e iniciou a diligência. Mesmo sem querer tinha que ouvir as perguntas e respostas e apercebi-me que o clima entre ambos se ia degradando. De tal modo que a determinada altura o Cabo insistia nas perguntas mal esclarecidas e o declarante já em desespero ia retorquindo quase aos gritos: NÃO, SENHOR GENERAL, NÃO FOI ASSIM...
Tive de sair do gabinete para não perturbar o acto que ao meu lado decorria com uma estrondosa gargalhada. O que nunca consegui esclarecer foi por que cartilha tinha o homenzinho estudado para estabelecer aquela relação hierárquica, atribuindo ao cabo uma patente de topo!!!
De resto tudo se remediou. Poucos dias depois o genro apareceu morto na própria residência. A primeira impressão que tive ao receber a notícia foi de apreensão e temi o pior mas tudo se desfez logo que cheguei ao local onde jazia o cadáver, sentado à mesa, com os lábios ainda marcados pelo leite que tinha ingerido misturado com um forte pesticida, a caneca por onde tinha bebido em cima da tábua com restos da mesma bebida e exalando um horroroso cheiro ao produto tóxico adicionado.
Processo arquivado.

Ancares

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Medidas de Antigamente

aqui abordei a temática das medidas usadas noutros tempos e entre aquelas que enunciei encontrava-se a "medida de crasto" apresentando então a explicação que me parecia mais lógica pelo conhecimento de causa que dela adquiri.
Mas nestas coisas não há nada melhor do que "falar" com quem sabe...
No meu último "retiro" em Monção adquiri e li um livro fabuloso (para quem se interesse pela história do Alto Minho) que é uma feliz compilação de diversas publicações e textos da autoria do Padre Manuel António Bernardo Pintor, Castrejo de nascimento e Ribamourense por adopção. Trata-se da sua "Obra Histórica I", editado em 2005 pelo Rotary Club de Monção o qual, por ser o primeiro, desperta a curiosidade para os que venham a seguir...
Pois surpreendam-se, como eu, porque a determinada altura, acerca das origens da freguesia de Prado, na periferia de Melgaço, o Padre Bernardo dá conta de um escrito datado de 1323, cujo teor é o seguinte:
"A 1 de Julho o Cabido de Tui aforou a Martim Pires e a Marinha Joanes o Casal de S. Lourenço (...) cujo foro ou renda a pagar era de 10 quarteiros de pão, 6 quarteiros de milho, 3 quarteiros de ceveira e 1 quarteiro de órgia, tudo pela medida de Melgaço, e mais metade do vinho que Deus der, sendo o pão levado à eira e o vinho à dorna.
E mais ainda por direitos vários 10 soldos leoneses e 2 capões pelo Natal, 1 cabrito na Páscoa, 4 lampreias do Ribeiro em meados de março e pelo S. João 2 afusais de linho e 9 soldos velhos de Portugal".
Bem sabendo que esta linguagem iria criar confusão a muita gente, o estudioso Padre explica:
- Quarteiro era a quarta parte do moio e o moio era muito diferente de terra para terra como hoje o alqueire. Desde 16 a 64 alqueires havia muita variedade de moios.
- Nas redondezas de Melgaço existiam diversas medidas para o alqueire sendo que o de Monção tinha 20 litros, o de Valadares 24, o de Melgaço 30 e o de Castro Laboreiro 45.
De salientar a referência ao "afusal", termo que eu ouvia em pequeno e de igual modo relacionado com o linho. Pois o afusal é a quarta parte de uma pedra de linho, ou dois arráteis de linho e o arrátel uma antiga medida de peso de dezasseis onças ou 459 gramas.
Já agora, a onça é um peso antigo, equivalente à décima sexta parte do arrátel, ou seja, 28,6875 gramas.
Para quem não saiba ou não se lembre, o bispado de Tui estendia-se até ao rio Lima, seguindo a divisão suévica do Século VI, situação que se manteve até ao Século XVI, aproximadamente (pág.s 360 e 361 da obra citada).

O Tesouro Encantado (IX)

O Zé da Fonte, assim se chamava o proprietário da casa, entrou à frente seguido dos visitantes. O espaço era exíguo, mal iluminado e exalava um cheiro nauseabundo, parecido com o odor da corte onde dormiam os porcos. Encostada à parece de granito havia uma cama de ferro na qual se divisava, sob as grosseiras mantas de lá e farrapos, um encolhido vulto de gente. Umas peças de roupa pendiam de um dos ferros dos pés da cama e por baixo da mesma viam-se umas botas rotas e sujas de barro.
- Tónio, os senhores guardas querem falar contigo - chamou o pai.
Mas o Tónio não se moveu. O pai voltou-se para o Cabo da Guarda, que entretanto se tinha sentado num baú no outro extremo do quarto a rabiscar no seu bloco de apontamentos, e encolheu os ombros. Este levantou-se e dirigiu-se à cama:
- Vá lá, rapaz, nós já sabemos tudo mas preciso que me expliques algumas coisas, não tenhas receio que nada te vai acontecer...
Fosse pelo tom imperativo do Guarda, fosse pelo facto de saber que o segredo tinha sido desvendado, fosse ainda pela necessidade de falar com alguém do que se tinha passado, a verdade é que o rapaz voltou-se vagarosa e dolorosamente na cama, abriu os olhos e enfrentou os seus interlocutores. O seu rosto exprimia bem o medo porque tinha passado e as dores que o atormentavam. Estava pálido como a cal, profundas olheiras circundavam as órbitas oculares e algumas crostas de sangue salpicavam-lhe a face, o nariz, a testa e o pescoço. Sem lhe perguntarem mais nada começou a falar com a voz ainda trémula de medo:
- Eu não sei de nada. Nós só queríamos o ouro mas ELE saltou lá do alto dos penedos, veio para cima de nós e tivemos de fugir. Não me lembro de mais nada. Não sei por onde andei nem como vim parar aqui...
- ELE quem? - Perguntou o comandante.
- Só podia ser o diabo, parecia um morcego gigante. Tinha uma garras enormes e olhos como brasas... eu nem o vi bem...
- E o Zé da Bina também estava convosco?
- Ele é que tinha o livro, foi ele que nos convenceu a ir desencantar o tesouro.
- E também fugiu com vocês?
- Acho que fugimos todos... não sei, não vi mais ninguém, como disse não me lembro de mais nada.
- E o livro? De quem era? Onde está agora?
- Era um livro muito velho que o Zé encontrou na casa da Tia Rosa da Eira Velha. Se não ficou no monte deve tê-lo ele...
- Está bem, por agora não preciso saber mais nada... anda, vai lavar essa cara e comer alguma coisa que bem precisas.
Terminou assim o interrogatório, que se repetiu em mais três casas, sempre com o mesmo resultado. Estava praticamente esclarecido o mistério, com certo alívio do comandante da Guarda mas faltava esclarecer uma dúvida, talvez a parte mais importante: Onde parava o Zé da Bina?

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Linguística de Cavenca IV – Pronúncias Dialectais

Isolado na encosta da serra, o povo de Cavenca desenvolveu formas de expressão próprias, algumas bem rudes, que nos faziam corar de vergonha sempre que alguém se ria da nossa “forma” de falar.
E não deixa de ser curioso que tais diferenças constituíam-se em áreas muito próximas. Só que a mobilidade das pessoas era ínfima e os círculos de relações estabeleciam-se quase exclusivamente nas próprias aldeias.
Aqui vão mais alguns contributos para a compreensão de termos e vocábulos que por lá ainda residem e resistem.
Abelar
Afagar, suavizar
Acadar Encontro com algo ou com alguém num local determinado
(acadar a rês, o gado, alguém)
Arrotcho Pau tosco ou varapau
Borbetio
Borboto
Cabaneiro
Calaceiro, preguiçoso, indolente, desajeitado
Cantcha
Passada longa
Cruja
Coruja
Enxaboar Ensaboar
Fatchuqueira
Facho, tocha (feito de palha de centeio)
Ferruge
Ferrugem
Forcado
Utensílio de madeira para mexer as papas
Freija
Cachoeira, cascata
Lardo
Toucinho, parte gorda da carne (em lardo vivo = em carne viva)
Leixarigo Borbulha,
Moutcho
Mocho
Néboa
Nevoeiro, Nuvem
Sangre
Sangue
Tunir
Contactar, tocar
Xabon Sabão

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Tu, Gitana!


Regresso com esta melodiosa composição de "Luar na Lubre", numa altura em que o projecto de recandidatura do Património Imaterial Galego-Português a Património da Umanidade, relançado pela Associação Ponte nas Ondas, foi chumbado pelo Instituto de Museus.
As pessoas que se têm esforçado por verem reconhecidas as particularidades culturais de uma região transfronteiriça mereciam mais consideração.
Parece que ainda existem preconceitos em relação a uma fronteira que apenas foi imposta politicamente mas que nunca separou realmente os povos de um e do outro lado.