quarta-feira, 12 de agosto de 2009

A Subsidiodependência

Corre ... uma virtuosa discussão entre o Governo, os militares e a GNR, a propósito do estatuto remuneratório desta corporação paramilitar. Queixam-se os militares de que o Governo pretende contemplar a GNR com uma série de subsídios, enquanto que eles apenas têm um subsídio de 'condição militar', equivalente a 20% da remuneração base. Se já essa coisa do 'subsídio de condição militar' me deixa perplexo (haverá um subsídio de condição médica, de condição de engenheiro, de condição de escriturário?), os subsídios que o Governo pretende agora abonar a favor da GNR são, de facto, de estarrecer. Ora vejam: subsídios de escala, de plantão, de prevenção, de força de segurança, de patrulha, de comando, de investigação criminal e de 'serviços especiais' (seja isso o que for e espero que não seja regar o jardim do general ou transportar a mobília do comandante).
Perdão: mas existe alguma força policial do tipo GNR, em qualquer lado do mundo, que não faça escalas, prevenções, plantões e patrulhas? Que não faça investigação criminal? Que não tenha comando? Não estão aqui reunidas, afinal, todas as funções e tarefas da GNR, começando por ser a de uma 'força de segurança'? Se cada uma das suas tarefas tem direito a um subsídio especial (e todos eles cumulativos, afinal), o que resta de um GNR que não seja subsidiável pelo Estado - o uso da farda, o transporte em viatura, os danos auditivos do toque da corneta?
Os militares das FA estão justamente revoltados com tanta benesse a favor da GNR. E, portanto, querem bani-las? Não, querem igual...
Miguel Sousa Tavares in Expresso

O texto acima, da autoria de Miguel Sousa Tavares (MST), faz parte de um artigo de opinião publicado no Expresso online de 8:00 Segunda-feira, 10 de Ago de 2009 e revela a bandalheira que se instalou no sector da administração pública.
Sei, por experiência própria, o que é a "caça" aos subsídios e suplementos e os efeitos nefastos que isso importa às organizações. Por isso, e apesar do estilo mordaz e de alguma falta de rigor da sua análise, vejo-me forçado a concordar com MST na crítica que faz ao sistema remuneratório que se criou para a GNR e às movimentações assolapadas das diversas associações profissionais das Forças Armadas que pretendem seguir na mesma "onda".
Já dizia um antigo magistrado que exerceu as elevadas funções de Inspector Geral da Administração Interna (IGAI), com uma dignidade e um brilho até agora inigualável, que as forças de segurança não tinham necessidade de ter um subsídio de risco porque a profissão é em si uma profissão de risco pelo que deve ser remunerada em conformidade.
O subsídio de risco nunca foi criado, apesar das múltiplas reivindicações das organizações associativas, mas foram criados inúmeros suplementos e subsídios, distribuídos muitas vezes a esmo, que serviram não só para "calar a boca" às associações profissionais mas também para colmatar sérias lacunas e derrapagens salariais verificadas principalmente no decurso da última década.
E quando tudo fazia prever que o novo estatuto remuneratório iria colocar um ponto final nesse problema, eis que a subsidiodependência surge agora, com maior ênfase, no projecto recentemente aprovado em Conselho de Ministros, agravado com a inclusão, no estatuto profissional, de um horário de referência de 36 horas semanais. Mal comparado, tudo isto se assemelha à guerra do recentemente extinto e já saudoso Raul Solnado, em que uns atacavam às segundas, quartas e sextas e os outros às terças, quintas e sábados. E ainda tinham um dia de descanso!
Não sei quem fez os estudos nem quem discutiu estes diplomas com o poder político. Posso, porém, afirmar que quem os fez não ponderou todos os inconvenientes do ponto de vista do interesse público. É que a segurança de pessoas e bens não tem um tempo definido, as funções policiais não se compadecem com um horário de referência, o seu exercício não se esgota num giro de seis, sete ou oito horas diárias, a distribuição de meios implica deslocações territoriais e desagregação familiar por longos períodos de tempo e a constante necessidade de auto formação concorre com os períodos de tempo de descanso ou de convívio familiar. Aliado a tudo isto há o dever de disponibilidade permanente, os juramentos de bandeira e de fidelidade e ainda o compromisso de honra, onde se promete servir a Pátria mesmo com o sacrifício da própria vida, a renúncia a muitos direitos cívicos e a proibição do exercício de actividades incompatíveis com a função. Sempre foram estas particularidades que deram legalidade aos responsáveis pelas forças de segurança para conceder aos seus elementos um salário superior ao de algumas franjas do leque de servidores do Estado e excepcionais condições de aposentação e aos agentes a necessária legitimidade para reivindicar melhores condições económicas.
A partir do momento em que pretensamente se aproximem e equiparem as diversas carreiras profissionais e o seu efectivo exercício tudo é possível que venha a acontecer, inclusivamente aguentar com o pau, porque as costas já as puseram a jeito.