quarta-feira, 24 de julho de 2013

A Culpa

Sou o culpado.
Porque acreditei no amor, na cumplicidade, no respeito, na verdade, no diálogo, no compartilhamento das emoções, na disciplina e entreajuda. Porque acreditei na família, num projecto de vida e para a vida e por ele me bati com todo o meu saber e vontade. Porque apostei e perdi...
O projecto era bom e o meu castelo atingiu a sua plenitude mas algo minou os alicerces, ou porque eram frágeis, ou porque não estavam devidamente assentes. E onde eu depositei fé e esperança começou a surgir a dúvida, mais do que dúvida: a descrença.
O amor cedo se desvaneceu mas os restantes pilares aguentaram-se enquanto puderam. Quando tudo se diluiu restou ainda uma réstia de dignidade.
Porém o limite de resistência ficou tão fragilizado que o edifício claudicou irremediavelmente.
A culpa foi minha porque não fui capaz de blindar o meu edifício contra os agentes corrosivos que lhe minaram a base.
A culpa foi minha porque não permiti que o baluarte da dignidade, o único que não soçobrou, fosse corrompido.
A culpa é minha...
Minha Culpa
A Artur Ledesma

Sei lá! Sei lá! Eu sei lá bem
Quem sou?! Um fogo-fátuo, uma miragem...
Sou um reflexo... um canto de paisagem
Ou apenas cenário! Um vaivém...

Como a sorte: hoje aqui, depois além!
Sei lá quem Sou?! Sei lá! Sou a roupagem
Dum doido que partiu numa romagem
E nunca mais voltou! Eu sei lá quem!...

Sou um verme que um dia quis ser astro...
Uma estátua truncada de alabastro...
Uma chaga sangrenta do Senhor...

Sei lá quem sou?! Sei lá! Cumprindo os fados,
Num mundo de vaidades e pecados,
Sou mais um mau, sou mais um pecador...

Florbela Espanca, in "Charneca em Flor"