domingo, 22 de outubro de 2006

No "Baú" das Recordações

Por vezes, muitas vezes, sinto vontade de baixar a persiana, apagar a luz e mergulhar no “baú” das minhas recordações: retornar à infância cada vez mais longínqua, rever a luz do dia como uma esperança que renasce, olhar o horizonte e sentir vontade de o ultrapassar para ver que vidas existiam do outro lado, percorrer caminhos que já se apagaram, relembrar amigos nunca mais encontrados, familiares já desaparecidos, paisagens remodificadas… tanta coisa que parece nada mas que era toda uma vida cheia de ilusão, de fé e de confiança…
Mexo, remexo e no meio de tanta insignificância vão aparecendo imagens e cenas, pequenas peças de um puzle tão original que é a via das pessoas. Penso que não haverá no mundo presente, passado ou futuro dois quadros precisamente iguais… A vida é mesmo isso… uma tela em branco que se vai preenchendo dia a dia, umas vezes de tons alegres, outras de tons de cinza, uns dias a cores, outros a preto e branco, traços de tempo quente, outros de tempo frio, outros ainda de temperatura amena e suave e também os raios, os coriscos e as tempestades.
Não são apenas as mudanças sociais e ambientais que fazem a diferença. A idade também transforma as coisas e os nossos olhos cansados procuram um termo de comparação e adaptação ao presente. De mansinho sente-se o cansaço, o desalento, o esmorecer da chama. E também a força, a esperança, a fé. Acabamos por sofrer um processo de transformação lento e constante. Resistimos e acabamos por ceder. E concluímos que assim é que deve ser.
Então, o meu “Baú” é apenas um escape em face da dúvida, da adversidade ou da incerteza. É ali que muitas vezes encontro a energia que me abandona, o alento de que necessito para continuar a caminhada cujo termo é incerto mesmo tendo a certeza que um dia chegará.
A infância e a juventude marcam indelevelmente o resto da vida das pessoas. Admito que haja quem não goste de “regressar” às origens, há pessoas bem piores que animais e se não se pode exterminá-las, pelo menos podem-se ignorar (ou tentar). Para mim é um bálsamo que me conforta, o laço que me dá a paz de espírito, o sopro que me dá alento.
Há muitos anos que ando “desenraizado” e tenho conhecido muitos lugares, muita gente, muitas formas de ser e de estar, lugares onde me sinto bem, gentes com quem gosto de conviver, formas de ser e de estar que me garantem uma vida melhor. E no entanto, tudo que me rodeia continua a ser estranho, frio, distante. Pelo contrário, sempre que percorro os caminhos da minha juventude, vejo marcas familiares em tudo que os meus olhos divisam e algo me diz “bem-vindo a casa”. Há marcas que nos fazem crer que o tempo não passou por ali – a fonte donde bebíamos água pura e fresca, o roble secular que nos dava sombra e abrigava da chuva, o rochedo em que nos sentavamos para descansar, conversar ou simplesmente contemplar a paisagem, os sulcos cavados na rocha por inúmeras passagens das rodas ferradas dos carros de bois, o negro vestir daquelas mulheres para quem a vida sempre foi daquela cor.

3 comentários:

SCruz disse...

Olá,
Invadindo para deixar isto:

Acho que vivemos a "adultice" como vivemos a nossa infância, talvez essa seja uma das razões porque alguns crescem para adultos apenas nos bicos dos pés e desejam nunca retornar à sua infância. Felizmente, muitos puderam comer "algodão-doce" aos "molhos" e manter em si uma criança o resto da vida.

Gostei de o ler.Sorriso...
(vi o seu comentário no old)
S.

MT disse...

Obrigada pela visita, apareça sempre que desejar.
Tenho que voltar ao tema da tradição oral galaico-portuguesa que me é muito cara, obrigada por mo relembrar.

Anónimo disse...

Melancolia, saudosismos, raízes...É realmente uma tela única, pintada com as cores de cada vida...Teu Baú é sempre um lugar interessante.