terça-feira, 12 de novembro de 2013

Novos Escravos

Dia chegará em que os custos se tornarão de tal forma onerosos quemelhor será pagar por obra feita do que, ingénuamente, achar que, com escravos, têmo-la de graça, pois não a temos. Imaginem os senhores um fazendeiro que necessite apenas de mão-de-obra para plantio e colheita, uma vez ou duas por ano. Durante o resto do tempo, não terá em que empregar os negros, mas terá que alimentá-los, dar-lhes roupa, casa e remédios, para não falar nos imprevistos, que surgem a cada dia”.
João Ubaldo Ribeiro, Viva o Povo Brasileiro, Publicações D. Quixote, 3.ª Edição, Fev. 2000, pág. 243

Era assim que o mestiço Amleto, rico banqueiro, profetizava o fim da escravatura num Brasil ainda colonial mas com aspirações a tornar-se um Imperio independente e próspero, num contexto temporal e social muito diferente do mundo actual. Contudo, não podemos deixar de sublinhar a pertinência e actualidade das suas palavras transpondo-as para a realidade do Séc. XXI, a era em que dominam as novas tecnologias em detrimento do culto de valores centrados na pessoa humana que emergiram da revolução francesa e se consolidaram ao longo dos Séculos XIX e XX.
Com efeito, caminhamos a passos largos para um novo modelo de exploração do trabalho humano só comparável ao tempo dos barcos negreiros e do florescente comércio de escravos, em que as pessoas eram tratadas pior que animais.
Aparentemente livres, os trabalhadores são hoje explorados como foram os negros de Amleto e deixam-se enlear impavidamente pelas malhas habilmente tecidas pelos senhores do dinheiro, como se isso fosse uma fatalidade sem possibilidade de retrocesso.
As draconianas medidas de austeridade têm atingido praticamente todos os trabalhadores mas de forma muito mais intensa a classe média, em risco de desaparecer para dar lugar a outro modelo de sociedade onde predominarão os pelintras, sob o látego dos capitalistas. A par dos cortes salariais, existem muitas outras modalidades de “camuflagem” das despesas no sector público: os despedimentos de trabalhadores cujas tarefas passaram a ser supridas pela aquisição de serviços ao sector privado é a que mais impacto tem tido nos últimos anos, dando a falsa ideia que se poupa com pessoal.
Enquanto assistimos impavidamente ao declínio e extinção da classe média, que foi nas últimas décadas o verdadeiro motor da economia no âmbito interno, apercebemo-nos de que o número de multimilionários em Portugal cresceu exponencialmente e as grandes fortunas conseguiram contabilizar lucros exorbitantes.
É agora que faz todo o sentido reler Marx e as suas teorias que conduziriam à auto-destruição do capitalismo e a uma ditadura do proletariado. De facto, só existe uma coisa capaz de gerar riqueza: a força do trabalho. Esta arma terrível está nas mãos do povo que trabalha e é explorado descarada e indecentemente mas essas mãos estão inertes, adormecidas e incapazes de reagir com todo o seu poder aos abusos dos opressores.
Quando todos os trabalhadores adquirirem consciência do seu real valor os senhores da alta finança irão compreender que o dinheiro não se come...

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