Longe dos centros de poder, procuro diária e avidamente actualizar-me acerca do que de importante se passa pelos bastidores da organização para a qual trabalhei activamente durante aproximadamente trinta e três anos (a idade de Jesus Cristo quando foi crucificado). E fiquei ontem a saber que o actual Comandante-Geral, Tenente General Nelson Santos vai transitar para a reserva em Janeiro e, consequentemente, abandonará o cargo. Mas fica no ar a sensação que não será esta a única razão. A ser verdade, sairá da estrutura da Guarda, sem honra nem glória, um homem em quem se depositaram elevadas expectativas.
De facto, o Tenente General Nelson Santos era um militar bem conhecido e conhecedor da Instituição e, depois de um longo período marcado por um Comando distante das bases e demasiado politizado, que culminou com uma profunda alteração orgânica, seria a pessoa mais habilitada a fazer serenar os ânimos e recuperar os índices de confiança e de coesão interna que sempre foram apanágio da Guarda Nacional Republicana.
Assim não aconteceu. A conjuntura não lhe foi favorável mas também não se terá apercebido que a Guarda que veio encontrar não era a mesma que tinha deixado alguns anos antes.
Com efeito, tomou posse como Comandante-Geral da Guarda Nacional Republicana em 6 de Maio de 2008, em pleno curso daquela que foi, talvez, a maior e mais traumática e complexa reestruturação interna operada desde 1911.
Esta reestruturação, imposta pelo poder político e tendo na génese uma visão economicista e civilista, sustentada num estudo encomendado ad hoc e levado a efeito por uma empresa de consultoria externa e que permitiria aligeirar a estrutura de comando e colocar no terreno mais efectivos, acabou numa coisa híbrida entre o que fora proposto e o que vinha do antecedente, feita muito em cima do joelho e com um impacto extremamente negativo no moral dos efectivos especialmente daqueles que, integrando a extinta Brigada de Trânsito com um comando centralizado nas Janelas Verdes e células operacionais dispersas por todo o território continental, se viram de um momento para o outro na dependência técnica e funcional dos Comandos Territoriais criados nas sedes de Distrito, ficando assim em pé de igualdade com os oficiais do mesmo ofício mas para quem sempre olharam com sobranceria e diria até que com algum desprezo: os militares do serviço rural (como se dizia antigamente), os generalistas que sempre foram pau para toda a obra mas que ultimamente, por isso mesmo, foram muito desconsiderados.
A agravar a situação, verificou-se de seguida uma violenta greve contra o sucessivo aumento dos combustíveis, levada a cabo por várias empresas e associações ligadas ao transporte de mercadorias que colocou o país num estado caótico. E numa fase em que se impunha um comando forte e actuante perante os continuados ataques criminosos ao estado de direito a Guarda, a quem compete assegurar a legalidade democrática e garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos, ficou-se "nas covas", limitando-se a ser um mero espectador sem saber como agir e deixando a iniciativa da acção nas mãos da tutela administrativa.
A partir daqui nunca mais se "viu". Com uma estrutura superior pesada e ainda muito entorpecida, num comando espartilhado por diversas "quintas" e mal dado a trabalho coordenado, foi notória a falta de liderança que, tradicionalmente, era um importante factor de agregação e de confiança.
Se, como é dado a entender na magra notícia que refere o abandono do elevado cargo para o qual foi mandatado, houver outras razões para a decisão que não seja a passagem à reserva por limite de idade mais frustrante será a sua passagem pelo Comando Geral da Guarda porquanto um militar que se preze não foge das dificuldades, antes pelo contrário, aceita-as naturalmente como mais um desafio que importa superar.
E a ocasião não podia ser pior do que no momento actual em que se perfilam vozes a favor da sua extinção, revertendo os despojos para um corpo de polícia único, a criar, e para o Exército que vê nas missões internacionais levadas a cabo pela Guarda, com elevado mérito, uma ameaça às suas competências.
Além disso, têm vindo a verificar-se constantes e por vezes soezes ataques à Instituição, aos seus órgãos e aos seus militares, como foi o "caso Nilton" e a queixa do Director Nacional da Polícia de Segurança Pública contra elementos da ANOG (Associação Nacional dos Oficiais da Guarda) a propósito de um comunicado sobre a aquisição de diverso equipamento, nomeadamente veículos blindados, para aquele Corpo de Polícia. No primeiro caso houve uma ténue reacção que me parece ter ficado pela intenção de levar o autor do "adopte um gnr" a prestar contas na justiça. No segundo sou de opinião que na verdade não deve o Comandante Geral imiscuir-se nos assuntos das associações. Mas uma manifestação de solidariedade do General para com os militares "acossados" nem lhe ficaria mal. Até porque o que foi dito no comunicado da ANOG espelha o sentimento de milhares de cidadãos e não será com um processo judicial que a "família" Pereira vai limpar a imagem degradante que resulta de todo aquele imbróglio.
7 comentários:
Ainda a quente, sob o calor que exala do seu excelente post, aqui vão,com um forte abraço,as minhas felicitações, pela forma e conteúdo do texto. Concordo, na generalidade (como dizem os deputados) com a sua apreciação. Na especialidade, todavia, não aprovo as considerações que faz ao modo como como os militares da extinta BT "tratavam" os "camaradas do rural". Estou à vontade para falar assim porque foi no "rural" que assentei praça na Guarda, serviço a que regressei mais tarde, em Beja, no tempo da "reforma agrária, depois de ter ajudado criar a BT, em 1970. A "camisola" que sempre vesti, contudo, foi sempre a mesma -a da Guarda Nacional Republicana.
Abraço.
«Sem honra nem glória». Concordo. Efectivamente, nem se deu por ele. O Sócrates e companhia minaram e secaram tudo à sua volta. E, além do mais, a gente passou a olhar só para a sua carreira de forma a levar a vida sem se chatear muito e desistiu de se preocupar com as Instituições. A realidade penso que é mesmo essa. E não me devo enganar muito...
Pois também me apetece bater em alguém...
Os altos quadros da GNR não andaram a publicar livros na Almedina, na última dúzia de anos, sobre reformulação/adopção de modelos de policiamento e segurança, como o fizeram alguns quadros da PSP. Não andaram curvados com a latinha da graxa e as respectivas escovas, atrás dos políticos. Não souberam interpretar a vontade destes e o seu intenso desejo de controlar todos os níveis e todas as realidades da sociedade portuguesa. Como tal não deram resposta a esse ensejo profundo de cunho pidesco. Os serviços de informação e a PSP souberam fazê-lo e com isso afastaram do centro decisor, a GNR e, sobretudo, a PJ.
E se à GNR foram acometidas novas funções, como algum controlo da área costeira – parece-me que tal se deve a outro desígnio maior das tutelas, visando desmontar o pesado aparelho das Forças Armadas, neste caso, da Marinha, mesmo que para isso se invadam atabalhoadamente áreas de actuação fora da natureza e competência da corporação.
Se os tempos modernos nos apresentam o Estado como Orwell adivinhava, os últimos anos assistiram a uma cavalgada alucinante rumo à construção de um hiper-brother, omnipresente e omnisciente, a uma escala muito próxima daquela imaginada pelo ficcionista britânico.
Sem honra nem glória, para lá caminhamos a passos largos.
Obrigado sinhor Engehêro e comparsas.
Parece que querem fazer a "restruturação" com uma Comissão Liquidatária.
Os tipos querem transformar as forças de polícia em meros funcionários municipais. Isto se não começarem qualquer dia a entregar a manutenção da ordem a empresas particulares.
;-)
Olá amigo
Vim desejar-te um Natal em Paz e Harmmonia,junto daqueles a quem amas.
Beijos e Bom Natal!
Eu, a mim, também me apetece bater em alguém, a cada dia que passa. Por todos os motivos e mais alguns, mas nós portugueses, certamente, julgamos que, com aldrabões, isto irá lá também!
Quando acordarmos, pensaremos que saimos de um pesadelo, mas verificaremos que o pesadelo continuará!
Cambada de incompetentes!
É tudo a "roubar", basta ver o que diz o Tribunal de Contas!
Um abraço,
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