“Dia
chegará em que os custos se tornarão de tal forma onerosos
quemelhor será pagar por obra feita do que, ingénuamente, achar
que, com escravos, têmo-la de graça, pois não a temos. Imaginem os
senhores um fazendeiro que necessite apenas de mão-de-obra para
plantio e colheita, uma vez ou duas por ano. Durante o resto do
tempo, não terá em que empregar os negros, mas terá que
alimentá-los, dar-lhes roupa, casa e remédios, para não falar nos
imprevistos, que surgem a cada dia”.
João
Ubaldo Ribeiro, Viva o Povo Brasileiro, Publicações D. Quixote, 3.ª
Edição, Fev. 2000, pág. 243
Era assim que o mestiço
Amleto, rico banqueiro, profetizava o fim da escravatura num Brasil
ainda colonial mas com aspirações a tornar-se um Imperio
independente e próspero, num contexto temporal e social muito
diferente do mundo actual. Contudo, não podemos deixar de sublinhar
a pertinência e actualidade das suas palavras transpondo-as para a
realidade do Séc. XXI, a era em que dominam as novas tecnologias em
detrimento do culto de valores centrados na pessoa humana que
emergiram da revolução francesa e se consolidaram ao longo dos
Séculos XIX e XX.
Com efeito, caminhamos
a passos largos para um novo modelo de exploração do trabalho
humano só comparável ao tempo dos barcos negreiros e do florescente
comércio de escravos, em que as pessoas eram tratadas pior que
animais.
Aparentemente livres,
os trabalhadores são hoje explorados como foram os negros de Amleto
e deixam-se enlear impavidamente pelas malhas habilmente tecidas
pelos senhores do dinheiro, como se isso fosse uma fatalidade sem
possibilidade de retrocesso.
As draconianas medidas
de austeridade têm atingido praticamente todos os trabalhadores mas
de forma muito mais intensa a classe média, em risco de desaparecer
para dar lugar a outro modelo de sociedade onde predominarão os
pelintras, sob o látego dos capitalistas. A par dos cortes
salariais, existem muitas outras modalidades de “camuflagem” das
despesas no sector público: os despedimentos de trabalhadores cujas
tarefas passaram a ser supridas pela aquisição de serviços ao
sector privado é a que mais impacto tem tido nos últimos anos,
dando a falsa ideia que se poupa com pessoal.
Enquanto assistimos
impavidamente ao declínio e extinção da classe média, que foi nas
últimas décadas o verdadeiro motor da economia no âmbito interno,
apercebemo-nos de que o número de multimilionários em Portugal
cresceu exponencialmente e as grandes fortunas conseguiram
contabilizar lucros exorbitantes.
É agora que faz todo o
sentido reler Marx e as suas teorias que conduziriam à
auto-destruição do capitalismo e a uma ditadura do proletariado. De
facto, só existe uma coisa capaz de gerar riqueza: a força do
trabalho. Esta arma terrível está nas mãos do povo que
trabalha e é explorado descarada e indecentemente mas essas mãos
estão inertes, adormecidas e incapazes de reagir com todo o seu
poder aos abusos dos opressores.
Quando todos os
trabalhadores adquirirem consciência do seu real valor os senhores
da alta finança irão compreender que o dinheiro não se come...