domingo, 25 de fevereiro de 2007

O Cavalo Real de Soajo

É uma história verídica mas a sua transmissão até aos nossos dias foi a via oral e, por isso, não há base científica que possa sustentá-la. E, como quem conta um conto acrescenta um ponto…
Bom, mas vamos a isto.
Passou-se há muitos anos, no termo de Soajo, actualmente uma extensa e encantadora freguesia do concelho de Arcos de Valdevez.
Foi oferecido ao Rei um magnífico exemplar de raça cavalar, ainda jovem, e o monarca decidiu levá-lo para Soajo, para um couto de caça de que era ali possuidor. E como era dono do couto e dos habitantes, decretou que a população seria responsável pelo tratamento do animal, condenando à morte quem lhe fosse comunicar algo de mau relativamente ao potro de estimação.
Aconteceu que o animal não se deu bem pelas “montanhas lindas” da Serra da Peneda e adoeceu. Um dia foi encontrado morto no extenso matagal.
O problema era dar a notícia ao Rei, bem sabendo que quem tal fizesse assinava a sua sentença de morte. Reuniu o conselho de anciãos para decidir o que fazer e apresenta-se ali uma velha toda decidida que disse:
- Eu que já sou velha, não me importo de morrer. Eu vou a Lisboa levar a novidade a El-Rei…
Ficou assim decidido, com grande alívio dos conselheiros.
No dia seguinte, a velha toma a diligência e ruma à Capital para levar a fúnebre notícia a Sua Magestade.
Chegada a Lisboa, foi pedir uma audiência ao Rei o qual, atendendo à veneranda idade da velhota e ao esforço que fizera para ir ali encontrar-se com ele, a recebeu de imediato no seu sumptuoso palácio.
- Então de onde é que vem a senhora?
- Venho do Couto de Soajo…
- Ah… então deve saber como é que está o meu alazão puro sangue lusitano que lá deixei a engordar…
- Pois, o cavalito… Real Magestade… entraram-lhe as moscas pela caveira e saíram-lhe pela rabeira…
- Quer então dizer que morreu - retorquiu o Rei.
- Vossa Magestade o disse, que eu não – respondeu a velha.
O Rei, ciente da imprevidência cometida e da astúcia da velha, revogou de imediato o decreto que condenava à morte quem lhe fosse dar a notícia do óbito do seu estimado corcel.

Coimbra, 25 de Fevereiro de 2007

terça-feira, 20 de fevereiro de 2007

Acordar...

Só não vê quem for cego. E mesmo assim, não há pior cegueira do que a daquele que não quer ver.
Tudo indica que este pequeno rectângulo "à beira mar plantado" caminha inexoravelmente para um beco sem saída. Mas continuamos a fazer ouvidos de mercador. Por este andar, ainda voltarei a ver cenários como os que os meus pequeninos olhos já viram...
Era tudo combinado no maior dos segredos, porque as polícias, apoiadas por uma imensa rede de "bufos", descobria tudo e as consequências não eram como agora... Estabeleciam-se contactos, ajustava-se o preço, ia-se à procura de financiamento junto de familiares, amigos ou simplesmente conhecidos e, de um dia para o outro, eram mais dois ou três jovens que desapareciam do lugar. Ninguém sabia de nada mas os sinais diziam tudo... As mulheres de luto sem morrer ninguém, as crianças vestidas da mesma cor a caminho da escola ou nas lides do campo, tristes, sem saber bem porquê...
Eram duas, três semanas, às vezes mais, à espera, em silêncio, sem um queixume... Finalmente chegava uma carta "Paris, tantos de tal..., meus queridos pais ... chegamos bem, graças a Deus" e o respirar de alívio. Não terminara a tristeza mas pelo menos renascia a esperança. "Chegar bem" não significava ter feito boa viagem mas sim o final de uma autêntica maratona recheada de incidentes, de medos e de aventuras, autênticas epopeias cuja história está por escrever.
O artigo do JN que inspirou este post demonstra bem as razões do meu péssimismo. O quadro que nos é apresentado é deveras preocupante. E não deixa de ser menos preocupante o elogio às "reformas" introduzidas ultimamente no capítulo da política social seguida pelos nossos governantes. É que uma coisa é aquilo que se demonstra aos "manda-chuvas" da UE, com resultados brilhantes do ponto de vista economicista, outra é a realidade com que nos deparamos no plano interno. A verdade é que estamos a nivelar por baixo e a criar uma sociedade de pobreza cujas consequências poderão ser catastróficas para a maioria da população.
Daqui a alguns anos, talvez vejamos novamente as malas de cartão na Gare de Austerlitz... ou noutras gares do Universo...

domingo, 18 de fevereiro de 2007

As Vacas

Por sorte, a vaca não tem apelidos de família para lhe complicarem a existência (…).
As vacas chamam-se e os donos das vacas apelidam-se. A vaca é “Pomba”, “Estrela”, “Aurora” ou “Vitória” como uma pessoa podia ser apenas José, Maria, Luís ou Judite.


Almada Negreiros, Nome de Guerra

Não é só na Índia que as vacas são veneradas. Também no Alto Minho, noutros tempos mais do que agora, elas constituíam uma espécie de ícones sagrados sem os quais a vida seria impossível.
As vacas da minha infância tinham nome próprio. Eram a Bonita, a Nova, a Pisca, a Cabana, a Briosa, a Galharda, a Galante, a Formosa, a Cereja, a Fidalga, a Carola, a Carouca…
Eram vacas como as de agora, mas a quantidade e a qualidade revelavam o poder económico dos respectivos donos. De facto, elas constituíam um poderoso esteio que suportava a vida das pessoas.
Vacas porquê? Porque davam leite para a alimentação dos donos, serviam de tracção para todos os trabalhos agrícolas, pariam os vitelos que eram vendidos nas feiras, cuja renda servia para abastecer de vestuário e géneros alimentares e até a bosta era aproveitada para fertilizar as terras e também para tapar a porta do forno onde se cozia a broa…
Os mais abastados compravam vacas e entregavam-nas a terceiros “ao ganho”, uma forma de rentabilização do capital que não carecia de escrituras ou contratos, era a palavra de honra que vinculava não só quem celebrava o pacto mas também os próprios herdeiros. O negócio tinha por base o capital inicial, ou seja, o custo da vaca. A partir daí o detentor da vaca era obrigado a cuidar do animal como se fosse seu de pleno direito e entregava ao investidor metade do que rendessem as crias e do excedente ao capital investido quando fosse alienado.
Na minha terra, a relação entre as vacas e as pessoas era muito estreita. Tão estreita que ficávamos com a sensação de que os animais se pareciam com o dono, à força de estabelecermos a ligação entre uns e outros. Claro que, salvo raras excepções, nenhum animal de grandes chifres se parece a uma pessoa, mas a verdade é que, identificar o dono de um quadrúpede bovino no meio de uma manada de algumas dezenas, seria tarefa impossível para alguém desconhecedor do meio mas para nós era a coisa mais banal deste mundo.
E as vacas também conheciam o dono… bastava chamá-las pelo nome que elas obedeciam prontamente ás ordens dadas, fosse para puxar com mais alento, fosse para afrouxar nas descidas, para voltar à esquerda ou á direita, ou simplesmente para lhes fazer uma festa no focinho ou no dorso.
As vacas da minha terra eram animais de uma generosidade extraordinária.

Coimbra, 18 de Fevereiro de 2007

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2007

Mofina Mendes

Descobri-a!
É verdade. Numa viagem a terras de Trancoso, entrei na cidade velha por uma porta lateral e dei de caras com ela.
A Mofina Mendes, mesmo sem o pote de azeite, foi à feira de Trancoso e por lá ficou, já que para pastora não tinha arte.
De tal modo que deram o seu nome à rua onde ainda “vive”…

Coimbra, 09 de Fevereiro de 2007

sábado, 3 de fevereiro de 2007

Uma Visão do Outro Mundo?

O Outeiro Lagarto é uma porção de terreno que se estende do Arroio até à Corga da Calhe, local onde nasce o Rio Pequeno que divide os concelhos de Monção e Melgaço.
Densamente coberto de urzes, giestas e piornos, fora algum tempo antes alvo de apropriação pelos Serviços Florestais e limpo dessas espécies selvagens para lá plantarem diversas espécies de resinosas, vindas sabe-se lá de onde e vidoeiros.
É uma encosta íngreme e de difícil acesso mas naquela altura estava bem guarnecida de proibitivo e apetitoso pasto que despertava a cobiça de qualquer pegureiro. O problema era estar sob defeso dos Serviços Florestais e se o Guarda nos agarrava as multas eram extremamente pesadas, mesmo incomportáveis para as magras bolsas dos minúsculos agricultores.
Naquele dia, eu e meu primo Manuel decidimos tentar a sorte e, manhã bem cedo, como era habitual, tocamos as vacas serra acima. Passamos por Fonte Boa, Campo Redondo, contornamos os campos do Arroio e lançamos a manada pela encosta do Outeiro Lagarto, enchendo a pança de verdes ervas e tenros rebentos de carqueja, carrasquinha, urzes e giestas.
Enquanto o gado pastava nós apurávamos os ouvidos e varríamos a serra com a vista para ver se o Guarda aparecia mas nada. Era domingo e o Guarda, como bom cristão, costumava ir á missa e ficar toda a manhã a conversar e a emborcar uns copos na taberna ou em casa de algum aldeão. Confiantes de que nada iria acontecer, baixamos o grau de vigilância e descontraímo-nos a ver como as mandíbulas dos bovinos arrancavam o pasto com voracidade e depressa enchiam o bandulho.
Subitamente algo me disse que havia perigo. Olho para cima e vejo o Guarda, com a sua inconfundível farda castanha e o típico quépi na cabeça caminhando em direcção à Corga da Calhe. O mais curioso é que ia pelo meio do intenso matagal, por um trilho inexistente, a olhar para a parte de cima da serra, precisamente o lado contrário ao lugar em que nos encontrávamos, e parecia não nos ter visto.
Alertei do facto o meu primo e, cada um por seu lado, depressa juntamos a pequena manada que parecia entender qual era a nossa pressa e pusemo-nos rapidamente em lugar seguro.
Do Guarda nem rasto. Também nunca soubemos se era o próprio ou se se tratou de alguma visão criada na nossa mente.
Mas posso jurar que estava lá e eu bem o vi.
Coimbra, 03 de Feveiro de 2007

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2007

Mais Cantares Galegos


A RIANXEIRA

Ondiñas veñen,
ondiñas veñen,
ondiñas veñen e van.
Non te vaias rianxeira,
que te vas a marear.

A Virxe de Guadalupe
cando vai pola ribeira, BIS
descalciña pola area,
parece unha rianxeira. BIS

Ondiñas veñen,
ondiñas veñen,
ondiñas veñen e van.
Non te vaias rianxeira,
que te vas a marear.

A Virxe de Guadalupe
cando vai para Rianxo,
a barquiña que a leva
era de pau de laranxo.

Ondiñas veñen,
ondiñas veñen,
ondiñas veñen e van.
Non te vaias rianxeira,
que te vas a marear.