domingo, 5 de agosto de 2007

O Juiz de Fonte Boa

Sobranceiro a Cavenca, na vertente da serra que desliza até ao Rio Pequeno, fica o sítio denominado Fonte Boa.
Hoje já só lá se encontram visíveis as ruínas de uma casa e anexos construídos nos anos 50 do século passado pelos Serviços Florestais mas consta que havia por ali indícios de uma pequena povoação muito mais antiga, talvez a origem do lugar de Cavenca que se situa cerca de dois quilómetros mais abaixo. Não deixa de fazer sentido pois sabemos que o homem começou por organizar a sua habitação em locais elevados que garantiam melhores condições de defesa.
Fonte Boa caracteriza-se por ser um local com água e terrenos férteis, próximo de outros mananciais permanentes e terrenos cultiváveis tanto para nascente (Cancelinha e Arroio) como para poente (Furado e Outeiro), sem esquecer Cavenca e o próprio Rio Pequeno que ficam ali “à mão de semear”.
A existência de um antigo povoado naquele sítio carece de confirmação e isso deixo ao cuidado dos investigadores e antropólogos que se queiram debruçar sobre o assunto. As minhas deduções baseiam-se apenas naquilo que ouvia em pequeno e que em alguns aspectos são perfeitamente confirmáveis.
Dizia meu Pai que em Fonte Boa existiam vestígios de construções antigas e que na sua juventude era visível um trilho antigo, usado pelos habitantes daquele lugar, que descia a encosta denominada Calçadinha até ao Rio Pequeno, certamente para pescarem e moerem os cereais porque só ali o caudal de água reunia a força motriz suficiente para fazer girar os antigos engenhos.
E conta a lenda que havia em Fonte Boa um Juiz que se deslocava às reuniões do conselho, em Valadares, montado num gigantesco bode!!! Numa dessas reuniões chegou atrasado e todos os lugares que lhe permitiam sentar-se com dignidade já estavam ocupados pelo que, sem cerimónia, embrulhou a grossa capa e transformou-a num tamborete que lhe serviu de cómodo assento. No final da reunião levantou-se e saiu. Ao verem que tinha deixado a capa, um funcionário do fórum foi atrás dele e gritou-lhe “Sr. Juiz de Fonte Boa, olhe a sua capa…”. Calmamente o Juiz voltou-se e disse “o Juiz de Fonte Boa, o banco onde se sentou nunca o levou pegado ao cu”.
Verdadeiro ou lenda, daqui ressalta uma realidade, é que o concelho de Valadares existiu mesmo e só foi extinto numa das mais recentes reorganizações administrativas, julgo que do tempo de Mouzinho da Silveira: “Foi vila e sede de concelho até 1855. Era constituído pelas freguesias de Alvaredo, Badim, Ceivães, Cousso, Cubalhão, Fiães, Gave, Lamas de Mouro, Messegães, Paderne, Parada do Monte, Penso, Podame, Riba de Mouro, Sá, Segude, Tangil e Valadares. Tinha, em 1801, 11 208 habitantes. Após as reformas administrativas do início do liberalismo foram desanexadas as freguesias de Fiães, Lamas de Mouro e Paderne", conforme se pode ler na Wikipédia.

6 comentários:

Anónimo disse...

Da lenda apreciei a resposta final do juiz, um bom filosofante, o magana, com resposta fácil e pronta.
O extinto concelho de Valadares teve também carta de foral passada pelo rei D. João I, e foral novo de D. Manuel I, teve juiz ordinário, compnhia de Ordenanças com um capitão-mor, uma Santa Casa da Misericórdia, e alguns dos mais bonitos solares e palacetes da fidalguia minhota de antigamente.
É sempre um enorme prazer visitar este blogue de grande qualidade e de grande sensibilidade, que tanto me agrada. Boa semana.

redonda disse...

Gostei muito do texto e achei muita graça à história do Juiz (eu tive um trisavô juiz, mas penso que terá andado por outros lados)
Uma boa semana e um beijinho

Ivy disse...

Teus textos são sempre interessantes. Imagino que viver num país pequeno e tão antigo, de uma certa maneira,se torna mais fácil cultivar tradições, encontrar pegadas do passado, recompor velhas histórias... Gostaria muito de ter um acervo de memórias e histórias como as que contas. Um grande abraço!

Anónimo disse...

Fico ansiosa aguardando os seus textos e quando os leio, faço uma viagem ao passado.Sem palavras...simplesmente, maravilhoso!!
Um grande abraço Mano.

saloia disse...

Always a pleasure to visit you, Boaventura, and learn more of our lovely Minho.

bj

Mary

Professor disse...

Um encanto este texto! A resposta do Juiz soberba!
Muitos cumprimentos