http://moinhosdeportugal.no.sapo.pt/PrincipalTipificacao.htm
A história dos moinhos liga-se à história do homem e à necessidade de prover a sua alimentação. Assim, de acordo com as condições geográficas da cada povoação, eles eram implantados de forma a tirar proveito dos recursos naturais.
Os moinhos da minha terra implantavam-se ao longo do curso de um pequeno regato designado Rio Pequeno, afluente do Rio Mouro e este de um rio bem conhecido, quer pela importância geopolítica e histórica, quer pela beleza natural que o rodeia: o Rio Minho.
O Rio Pequeno tem origem nas encostas da Fraga, um enorme maciço rochoso situado a sueste de Cavenca e que faz parte do conjunto montanhoso da Serra da Peneda. No sítio designado por Portacerdeira (topónimo tão estranho como muitos outros que abundam por aqueles lados) recebe o contributo de diversas corgas, sendo as mais importantes a da Fraga, propriamente dita, a do Arroio e a do Ninho da Águia. A partir dali, traça o seu percurso sempre a descer, ligeiro, por um vale estreito e rápido até à foz, ao fundo de Lijó.
Foi nesse percurso de escassos quilómetros que Cavenca construiu os seus engenhos para moer os cereais. Tanto quanto a lembrança me permite recordar, o primeiro, no sentido descendente, era o Moinho da Várzea, que deixava de funcionar no Verão devido à escassez da água então desviada para a rega das culturas. Seguiam-se o Moinho das Lesmas, O Moinho do Salgueiro, o Moinho da Carvalheira, o Moinho Cimeiro, o Moinho Cerdeiro, o Moinho Cavalo e o Moinho do Rolo, este compartilhado com alguns co-proprietários de Eiriz.
Todos desenvolviam uma actividade intensa, de dia e de noite, e só paravam para alguma afinação ou reparação das represas onde se captava a água que o furor da água por vezes destruía.
Ainda recordo algum vocabulário e terminologia respeitante aos moinhos por ter participado activamente, na companhia de meu Pai, na complicada tarefa de afinação que de vez em quando requeriam.
Contudo, muitos desses termos já se diluíram na minha memória e, por isso, com o devido respeito, aqui transcrevo um excerto retirado da página da web aqui identificada:
- Açude: Construído em pedra, serve para represar a água do rio ou ribeira.
- Levada: Canal que tem origem no açude e transporta a água até à repressa.
- Represa: Local onde é recebida a água vinda da levada.
- Agueira: Canal condutor de agua (desce em cascata) da represa para o rodízio.
- Cubo: Cabouco na parte inferior do moinho onde está colocado o rodízio.
- Seteira: Peça existente ao fundo da agueira. Projecta a água para o rodízio.
- Zorra: Peça de apoio ao rodízio.
- Pejadouro: Tábua que comando a direcção da agua.
- Comando do pejadouro: Serve para movimentar e parar o moinho.
- Rodízio: Roda com movimento horizontal, ligada à mó por um veio.
- Tapume: Tampão regulador da entrada da agua para a agueira.
- Pedra: Mó em granito.
- Cunhas da agulha: Tacos reguladores do controle/levantamento da pedra.
- Moega: Peça em madeira, quadrada ou rectangular onde é colocado o grão.
- Caleira: Peça em madeira ou cortiça. Recebe o grão da moega para o olho da mó.
- Tremonhado: Lugar para onde cai a farinha vinda das mós.
- Alqueire: Medida em madeira servindo para medir os cereais.
- Taleigo: Saco em pano onde é transportado o grão ou farinha.
- Maquia: Parte retirada pelo moleiro correspondente ao se trabalho.
- Balança: Balança decimal.
- Pesos: Peças auxiliares da pesagem.
Na minha terra, o cubo e o cabouco são coisas distintas.
O cubo é feito de anilhas de granito sobrepostas umas em cima das outras, ou um tronco de pinho escavado no interior, com um diâmetro interno de 30 a 50 centímetros, e situa-se num plano inclinado desde a seteira até à represa da água. É no cubo que, por força do estrangulamento na seteira, a água se acumula até ao bordo superior e gera a força necessária para fazer girar o conjunto móvel que produz a farinha.
O cabouco ou “inferno” é a parte inferior do moinho onde se situa a seteira, o rodízio, o pejadouro e os componentes que permitem ligar o movimento à mó e efectuar a regulação da moagem.
Na parte superior, onde se desenvolve a moagem, existe um conjunto complexo em que pontificam as pedras, uma fixa, denominada pé e uma móvel, a mó. É do movimento circular da mó sobre o pé e do atrito perfeitamente ajustado entre as duas pedras que se produz a farinha.
E sobre a mó há um dispositivo que serve para alimentar o grão que vai ser transformado em farinha. É composto pela adelha, reservatório afunilado onde se deposita o cereal, a tremonha, dispositivo que permite regular a quantidade de grão que deve cair para as mós de forma que o moinho não se mova em vão nem "encha" e deixe de funcionar, e o tanganho, um artefacto que oscilando com o movimento da mó vai transmitir as suas vibrações à tremonha para que o grão vá correndo até cair no orifício central da mó.
O funcionamento está bem descrito por Fernando Galhano aqui:
Parte inferior de um moinho de rodízio (des. Fernando Galhano)
Parte superior de um moinho de rodízio (des. Fernando Galhano)
“A água, vinda directamente do rio ou de um depósito, passava pelo cubo, canal de descida, entrava a jorrar pela seteira (1) e impelia o rodízio (2) (…) constituído por penas (3). (O rodízio) rodava sobre um aguilhão (4), tradicionalmente constituído por dois seixos de quartzito, um deles estreito, rodando sobre outro, largo, com um orifício, (…) e transmitia o seu movimento de rotação à haste (5) ligada ao veio (6). Deste modo a mó movente (11) rodava sobre a dormente (12) graças a um entalhe adaptado à segurelha (10), peça da extremidade do veio. A espessura da farinha controlava-se graças ao aliviadouro (9) que através da sua trave (8) comunicava com uma tábua, denominada ponte (7). Dado que o aliviadouro funcionava em forma de cunha, consoante a cunha estivesse mais dentro ou mais fora, assim a distância entre as mós seria maior ou mais pequena e, logo, a farinha mais grossa ou mais fina.
Na porção superior do moinho, tudo se articulava com este funcionamento.
Com o já referido aliviadouro (9) controlando a espessura da farinha através da distância entre as mós (11), o cereal era colocado na moega (13), que, o deixava cair na tremonha ou quelho, vibrando graças ao movimento da rela ou chamadouro (15) roçando na mó. Este movimento conduzia o cereal ao centro, oco, da mó, onde era triturado, caindo depois numa caixa de madeira protegida por uma cortina (16) para evitar a dispersão da farinha”.
Os trabalhos de manutenção eram diversos. Havia que limpar os canais da água que frequentemente entupiam com detritos arrastados pela corrente, reparar as penas do rodízio, limpar as areias e pedras acumuladas sob a trave para permitir regular a distância entre as mós e, o mais importante e delicado, ajustar o eixo da mó para permitir um movimento perfeitamente concêntrico e picar as pedras para que a moagem se fizesse de acordo com os padrões que a experiência exigia.
Uma boa moagem deveria ser composta por três elementos: a farinha, o farelo e o rolão, a parte mais grossa da farinha. Só depois de ser passada esta mistura pela peneira, mais ou menos fina, se obtinha o produto que se utilizava na confecção do pão e outras aplicações culinárias, sendo o farelo e a parte mais grossa do rolão utilizado na alimentação dos animais.
Dos moinhos de Cavenca já só resta um, o da Várzea. Uma imensa bolha de água que se desprendeu da encosta por baixo de Fonte Boa, há alguns anos atrás, arrastou tudo que lhe aparecia pela frente até se diluir no Vale do Minho. Aquele só escapou porque se situa a montante do local onde a violenta onda atingiu o Rio Pequeno, o pontão do Pedregal.
Eu chamo bolha de água a um fenómeno que ocorre com frequência nas zonas montanhosas, em Invernos de muita pluviosidade, porque não conheço outra designação e o termo “bexiga”, usado na minha terra, não me convence.
O que acontece é que a água das chuvas acumula-se no subsolo e forma imensos reservatórios de água, autênticas albufeiras subterrâneas, cuja parede de sustentação é a própria crosta terrestre. Quando a pressão é muita e a parede cede dá-se a catástrofe. Nada é capaz de conter a fúria da água misturada com pedras e terra, a que se alia o declive do terreno.
Assim desapareceram os moinhos das minhas Memórias…
4 comentários:
Bom dia Mano!!
Muito bem contada a história ... "Os Moinhos de Cavenca"...rica em detalhes.
Eu, que tantas vezes fui a todos eles, de dia e de noite para que não parassem, hoje, não seria capaz de recordar todos esses nomes e termos." Não estou igual ao rapaz que ficou 15 dias ou 1 mês em Lisboa e, quando voltou à terra, não sabia o que era um ancinho"...rsrsrs...são muitos anos longe. Mano, os seus posts, além de prazerosos, aviva a minha memória e faz bem à alma. Que Deus te ilumine sempre.
Beijo grande.
Lembro de ir a Cavenca, logo depois do arrebentamento das "bexigas". Foi um inverno em que choveu demais e ainda pude observar os restos dos moinhos arrasados. Tive muita pena, tanto mais porque sabia que, se calhar, já ninguém os reconstruía.
Beijos
PS- ok, eu não mando mais desafios. Aviso compreendido, tio.
Adriana
Olá amigo.É mesmo muito triste quando vemos se perdendo, coisas que nos foram tão próximas. Minhas mais fortes memórias resumem-se á lugares já completamente modificados e de onde não tenho sequer fotos ou desenhos antigos para os recontituir. E as imagens que trago na memória, só as tenho como registrar em palavras, pois sequer sei desenhar para tentar fazer com que vivam. É mesmo uma grande perda. Assim, fico triste ao ver se perdendo partes tão importantes não só da tua história pessoal, mas do teu Portugal. Parabéns por , de alguma maneira, os trazer ainda vivos. Um abraço!
Bem já sei que terei de fazer a minha estrada preferida, desde Adrão pelo S. Bento do Cando, para ir até Cavenca apreciar os moinhos. Ou será que já não se pode descer o rio como em Adrão?
Um abraço,
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