terça-feira, 27 de abril de 2010

Moinhos do Minho

O meu fascínio por moinhos vem desde muito pequeno porque meu Pai, um perito na arte de "afinar" os moinhos, levava-me sempre como ajudante por variadas razões: primeiro porque dadas as suas limitações físicas, precisava de alguém para carregar as ferramentas; outra porque era muito mais hábil para aceder ao inferno pelo cabouco e efectuar as correcções no registo que ele comandava; outra ainda porque a minha agilidade quase felina permitia-me percorrer o açude para desviar a água, voltar a dirigi-la para o cubo, e repetir estas operações quantas vezes fosse preciso...
Foi assim que, sem ser perito na matéria, apreendi muitas das designações das peças, dos mecanismos, das ardilosas formas de corrigir os desvios do eixo da mó, picar e repicar as pedras, de muitos outros "truques" que faziam o moinho funcionar como novo. Algumas coisas ainda as retenho, outras estão arquivadas numa zona sombria do cérebro de onde talvez nunca voltem a sair...
aqui me referi, com muita mágoa, aos moinhos de Cavenca, os moinhos que praticamente apenas existem na minha memória e nas minhas "Memórias" porque uma violenta enxurrada destruiu-os quase todos.
E as mágoas continuam mas ainda há esperança. Uma página no Facebook denominada Moinhos de Portugal avivou a minha curiosidade e tenho percorrido Ceca e Meca à descoberta desse tipo de engenhos. E tem sido muito gratificante a procura. Montado na "ginga" e num raio de dez a quinze quilómetros já recolhi imagens de cerca de duas dezenas de moinhos, alguns deles com "sinais de vida" mas a maior parte irremediavelmente arruinados.
Hoje mesmo desloquei-me a Boivão, Valença, onde me constava existir uma concentração considerável desses engenhos. E quando me preparava para demandar a ribeira que daquela aldeia escorre até ao Rio Minho alguém me disse que a direcção certa era em sentido contrário. Tinha de subir à serra em direcção às pedreiras. O esforço foi grande e bem avisado fui de que não valeria a pena porque estavam todos "escangalhados". Mas que importava? Fui lá para ver moinhos e havia de ver moinhos.
No cimo da íngreme montanha, cansado e com as pernas todas cravejadas dos espinhos que me açoitaram, dei por bem empregue a caminhada mas prevaleceu uma imensa tristeza: O que resta dos moinhos de Boivão são escombros. Dos doze referenciados há um que estará a funcionar, outro com possibilidades de voltar a funcionar, todos os outros, pelo que pude observar, o que não foi destruído pelas chamas terá sido saqueado. Restam as paredes, os cubos, as canles e pouco mais.
Uma particularidade é que aqueles moinhos não se situam num curso de água natural. Estão dispersos pela encosta abaixo, numa escalada descendente de forma a aproveitar o único e abundante manancial que fornecia a energia para funcionarem. O que seria em tempos uma levada é agora uma moderna conduta em vinil com ramificações para cada um dos engenhos e que ainda serve para regar os campos e hortas de Boivão.
O mundo mudou muito depressa.
Os vestígios existentes indicam que ainda não há muitos anos deviam fazer farinha a rodos. Agora é o abandono e o mato a cobrir quase tudo...

10 comentários:

Ferina*izil* disse...

Bonito
aqui nao temos , não deste estilo....
izil

Anónimo disse...

Silves ou silvas?

Eira-Velha disse...

Silves ou silvas, uma coisa é certa: picam mais do que certos comentadores anónimos armados em prontuários ortográficos.

Ventor disse...

Picam, não picam, Eira-Velha! São terríveis! Mas é mais terrível, vermos o nosso mundo sumir-se asfixiado nelas! Eu não posso subir nem descer o meu rio por causa delas e não só. Silvas tojos gigantes e outros matos. Engolem tudo, até os moinhos!
Que fizeram aos guarda-rios? Não aos pássaros, aos outros! Aliás, as silvas nem deixam lugar para os pássaros sobrviverem!
Um abraço,

Anónimo disse...

Não tive intenção picar nada nem ninguém. Se estivesse escrito "silbas" em vez de "silves", pode crer que nem sequer faria qualquer observação. Compreenderá, contudo, que a forma como estava escrito levava à confusão com Silves (cidade) no Algarve. De mais a mais, até pensei que a escrita que aparecia no vídeo não fosse da sua autoria. Mas, se se sentiu melindrado, aqui ficam as minhas desculpas.
Quanto ao tema abordado, e às imagens que o acompanham, só uma palavra: gostei!

M. Caldas disse...

Um vídeo muito lindo. Deve ter dado trabalho, canseira e picadelas consegui-lo. Mas vale a pena ver. Fica de memória para os vindouros. Na minha aldeia parece que há um projecto para recuperar os velhos moinhos e os caminhos que levavam a eles. Vamos ver se não fica só pelo projecto...

Jose Luiz disse...

Seu fascínio por moinhos talvez possa me ajudar. Estou recuperando um velho moinho de fubá de meu avô, aqui na cidade de São José da Lapa-MG e gostaria de coloca-lo em funcionamento já "afinado".
É possível voce me descrever o procedimento e a ferramenta correta para picar a pedra ?

Agradeço antecipadamente

José Luiz

Eira-Velha disse...

Bom dia Sr. José Luís.
Msmo não sendo tarefa fácil, vou tentar dar uma ajuda.
Ferramentas: Pico de moinho, ou pico de pedreiro, que tem de estar com as pontas muito bem aceradas, trabalho de ferreiro, feito a fogo e martelo...
Levanta-se a mó (movente) e com a referida ferramenta pica-se muito levemente toda a superfície de fricção das duas mós (só a prática é que ensina).
Depois deste trabalho feito é preciso moer algum grão para limpar as areias soltas.
Espero ter-lhe sido útil mas mais do que isto não lhe posso dizer...
Um abraço para MG

José Luiz disse...

Caro Sr. Eira-Velha,

Muito obrigado pela atenção dispensada,as informações foram de muita valia.Já vou comprar o pico de pedreiro e iniciar este trabalho arduo e....prazeroso!
Assim que o moinho estiver funcionando lhe enviarei um "link" com as fotos do moinho.

Curiosidade:O moinho esta montado em uma fábrica antiga de farinha de mandioca de meu avô e esta era movida por uma roda d'água vertical com 4 metros de diametro, (segundo meus cálculos pode-se obter de 8 a 9 HP de potencia com a mesma) que tambem estou restaurando.

Abraços,

José Luiz

Eira-Velha disse...

Caro José Luiz, cá fico ansiosamente à espera das fotografias.
Abraço