terça-feira, 17 de outubro de 2006

O Descanso do Ruben

Em casa do Rogério ninguém se sentava à mesa sem o patriarca se certificar de que se encontrava toda a família.
Naquela noite, à hora do costume, barriga a dar horas, já todos rodeavam estrategicamente a mesa, ávidos de ferrar o dente no parco repasto, quando o Rogério, passando a vista em redor, dá pela falta do Ruben.
- Falta o Ruben, alguém viu o Ruben?
Ninguém sabia do Ruben.
Jantar adiado, toca a procurar pela vizinhança e pelos locais onde costumava parar. Afinal, nem podia estar longe, não era homem de falhar num momento daqueles, até porque chovia se deus a dava e não se podia andar na rua. Porém, nem sinais do Ruben.
Já estafado e a precisar de recuperar forças, o Vicente regressou a casa e serviu-se de uma tigela do saboroso carrascão que estava reservado para a ceia.
Encostou-se a um canto mais escuro, não fosse alguém entrar de repente e detectar a sua gula, quando lhe pareceu ouvir um ruído esquisito vindo do canto mais escuro da dependência onde se encontrava.
Desconfiado e receoso, perscrutou todos os cantos à procura da origem daquele estridente roncar, que mais parecia um velho e ferrugento serrote a cortar ferro, mas só vislumbrou a velha salgadeira. E a salgadeira não podia roncar...
Aproximou-se lentamente e o barulho parecia-lhe cada vez mais nítido. Só podia vir da salgadeira. Seria alguma porcina alma do outro mundo?
Num assomo de coragem, levantou a tampa do enorme caixote e qual não foi o seu espanto quando deparou com o Ruben, dormindo uma reconfortante soneca.
Dado o alerta, voltou toda a gente a reunir-se para o jantar e, já com o Ruben integrado na vasta prole, foi preciso explicar o sucedido.
A verdade é que, como a salgadeira já não continha qualquer naco do precioso bácoro, sua mãe tinha estado a lavá-la e a prepará-la para o reabastecimento, deixando a tampa aberta para secar. Então, o Ruben, num acesso de insaciável sede, atacou o vinho e foi bebê-lo para junto do caixote. Quando já estava devidamente saciado deu-lhe um quebranto e caiu para dentro da salgadeira. Com a trepidação, a respectiva tampa fechou-se, o que não afectou de algum modo o descanso do Ruben que, instantaneamente, adormeceu na paz dos anjos.
Coimbra, 16 de Novembro de 2001

PS – É uma história verídica, ainda da lembrança de muita gente. Em Monção, toda a gente acima dos 50s recorda os dois protagonistas – o Rogério e o Ruben – e o Vicente ainda vive para a testemunhar.

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