Há na história de Portugal factos, lendas e narrativas que nos falam de mulheres célebres as quais, pela sua intrepidez e coragem, assinalaram páginas de ouro nas crónicas dos séculos da nossa existência.
Certamente, já toda a gente ouviu falar de Deuladeu Martins, de Inês Negra, Filipa de Lencastre, a Padeira de Aljubarrota, a Maria da Fonte...
Muitas outras haverá que se não se tornaram tão célebres, não terá sido, certamente, pelo desmerecimento dos seus actos de bravura, de tenacidade e de generosidade.
Não é a memória das primeiras que aqui venho evocar mas sim a de uma outra heroína anónima, de quem guardo, no meu coração, um grande carinho, uma vasta admiração e uma enorme saudade.
Foi, como se diz na gíria, uma mulher de armas.
Com efeito, o seu destino foi traçado desde muito cedo, quando ainda adolescente, teve de substituir a mãe na criação dos irmãos mais novos, alguns de tenra idade, e na administração da casa paterna.
Não era alta nem baixa, mas parecia gigante, pela forma robusta do corpo e pela forma ampla do negro vestir.
Casou e deu existência a dez filhos, que teve de criar praticamente sozinha pois, o marido, devido a um grave acidente, ficou paralisado de uma perna para sempre e impossibilitado de angariar ou sequer colaborar na angariação dos meios de subsistência.
Apesar de tudo nunca desfaleceu, embora, por vezes, o ânimo quebrasse um pouco. Mais de uma vez a vi e ouvi chorar, meio perdida, sem saber o que arquitectar para fazer face ao sustento da casa. Porém, sem nunca perceber como, levantava-se e enfrentava a adversidade, fazendo-nos acreditar que era detentora de um poder infinito e que tudo conseguia resolver.
Não sabia ler, escrever ou contar mas fazia contas infalíveis, socorrendo-se sabe-se lá de que fórmulas ou regras matemáticas.
Desenvolvia e orientava todos os trabalhos do campo e fazia todo o trabalho doméstico, sempre de sol a sol e, nas longas e frias noites de inverno, à luz ténue da candeia a petróleo, tinha tempo para fiar o linho, a lã ou fazer outros lavores, contar histórias e até jogar cartas com a imensa prole que a rodeava.
Percorria dezenas de quilómetros, a pé, para ir fazer compras às feiras de Monção e dos Arcos de Valdevez, regressando do mesmo modo, com cargas imensas à cabeça e, muitas vezes, outra enorme carga no ventre.
O seu olhar penetrante e perspicaz via muito além do que estava perfeitamente visto e, quando descobria nos filhos alguma inocente mentira de garoto, dizia-nos e fazia-nos crer piamente que tinha um dedinho que adivinhava.
E quando precisou de desenhar o seu nome para receber a magra prestação social que lhe era abonada à custa de um filho que abraçou a carreira militar, não desfaleceu e tanto teimou que, sem saber qual o significado dos sarrabiscos que escrevia, tornou-se capaz de fazer face às exigências burocráticas que na Tesouraria da Fazenda Pública se lhe deparavam.
Sofrida mas conformada, viu partir os filhos, um após outro, à procura de vida melhor. Por fim, também ela partiu, numa viagem de aventura até ao Brasil, donde regressou pouco tempo depois, sob o pretexto de precisar pagar uma promessa a S. Bento do Cando, o Santo da sua devoção. Era tarde para mudar...
Bem hajas Mãe!
Coimbra, 15 de Novembro de 2001
2 comentários:
Eu ainda a conheçi quando veio havitar conosco para o pinto era Eu pequena mas ainda me lembro,ate a tia Sara nao queria vir parre vaixo.himagino o trabalho que ela tinha para se acupar de todos os filhos e de tudo oresto. Pra ser sissera nao era capas de o fazer .
Só hoje li este teu post. Emocionei-me!
Um abraço
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