sábado, 21 de julho de 2007

Os Carvoeiros

Feios, porcos e maus. Ficariam-lhes bem estes adjectivos, tal como no famoso filme de Ettore Scola, embora naquele tempo o cineasta nem sequer pudesse ter pensado no argumento que lhe garantiu o prémio para melhor realização no Festival de Cannes de 1978.
Metiam medo, todos andrajosos e enfarruscados, escarranchados em cima das albardas dos possantes e por vezes esquálidos machos e mulas, munidos de ferramentas e artefactos, serra acima, a caminho da Seida para encarvoar as seculares raízes de urze, as torgas, que arrancavam do granítico solo à custa dos vigorosos músculos e dos pesadíssimos alviões.
Saíam das minúsculas casotas, escuras, da cor dos habitantes, ainda o sol repousava nos braços de Morpheu e só regressavam já a magnífica estrela se tinha escondido nos domínios de Neptuno.
Pela serra acima e abaixo, na escuridão da noite, era fantástica a inconfundível musicalidade dos guizos pendentes do correame que segurava as albardas no dorso dos animais, único sinal de que pelos pedregosos caminhos da montanha havia vida em movimento. Tudo mais era escuridão…Lá vão os carvoeiros… – dizia-se.
Quando não demandavam a serra rumavam à Vila para venderem o produto do trabalho dos dias anteriores, de porta em porta. Vendiam-no e rapidamente consumiam o pouco que lhes rendia em géneros e nas tabernas.
Contava-se que um carvoeiro foi para a serra e esqueceu-se do tabaco… Quando chegou a casa pegou na onça daquele produto que se destinava a sustentar o vício durante aquela jornada e queimou-a de uma só vez, qual charuto gigante que lhe deve ter deixado os pulmões da mesma cor do próprio carvão.
Então, pelos anos sessenta, surge o fenómeno social que modificou tudo – a emigração.
Mudou a vida, mudaram as pessoas, mudou a forma de locomoção, mudou a habitação…
Enquanto os proprietários mais abastados se agarraram às suas terras e viam definhar os proventos, os carvoeiros meteram os pés a caminho e demandaram terras de França onde amealharam dinheiro a rodos, porque para quem vivia numa absoluta pobreza era fácil poupar.
Regressavam nas “vacances” e deslocavam-se ruidosamente e a velocidades estonteantes nos últimos modelos de motorizadas, depois de automóveis, ostentavam francos e escudos que, à semelhança de guizos, tilintavam em todos os bolsos, renovaram as habitações ou construíram novas e vistosas “maisons”, investiram em propriedades…
Actualmente são eles e os seus descendentes que habitam as casas tradicionais mais ricas da freguesia e o próprio lugar de origem, a Corga, na altura a condizer com o aspecto dos moradores, sofreu uma total modificação na imagem e nas condições que propicia aos que ainda lá vivem!
Coimbra, 21 de Julho de 2007

4 comentários:

Anónimo disse...

Olá!!
Não imagina com que prazer leio e releio tudo que escreve. Como já disse à Naninha, vocês o fazem como ninguém. Eu me transporto à minha infância e...quantas suadades...
Beijão Mano.

Ivy disse...

Olá. PeLo visto, Os anos setenta foram decisivos em todas as partes do mundo. Eu era ainda muito criança, m=e a pesar de aqui no Brasil ser ainda a época da ditadura militar e da repressão em todos os aspectos da vida, lembro-me com grande nostalgia de muitas coisas daqueles tempos...
Teu texto, como sempre, fantástico, levando-nos a conhecer parte deste mundo mágico que até há pouco eu praticamente desconhecia.Maravilhoso. Um grande abraço e o desejo de um final de semana fantástico.

susana disse...

Por isso nunca se pode acusar um rico de ladrão ou corrupto! Nem todos! Muitos foi à custa de muito suor e sacrifício!
Tens lá a minha resposta!
beijos miss

Anónimo disse...

"Os carvoeiros" sempre fascinaram o Ventor durante os primeiros anos da sua vida. Os Catornos ou Caturnos segundo a versão da tua irmã, foram gente que fascinaram o Ventor quando miúdo. A princípio, assustavam-no, eles e os seus machos, mas depois, foram sempre amigos. Por isso tentei descrevê-los aqui,
http://adrao.com.sapo.pt/page26.htm
tal como o Ventor me contou. Imaginas um gato ao lado de carvoeiros a espiolhar o comportamento do Ventor? Não pois não? Pois fica a saber que eu gosto tanto deles como sempre gostou o Ventor. Vamo-nos perdendo uns aos outros, mas os descendentes desses amigos do Ventor, já sabem que o Ventor me contou esta história entre as suas histórias e que os dois resolvemos homenagear aquela bela gente dos seus primórdios. Vê lá que até o desafiaram a ir à América beber um copo com eles e com a sua querida avó - a tia Glória! A brincar vamos mostrando a todos como era a nossa gente e o nosso mundo.
Um abraço,