O aeródromo da Chã pouco mais era do que um terreno de pastagem para algumas ovelhas e cabras ou uma ampla pista de treino para destemidos adeptos de desportos motorizados ali realizarem alguns piões, ou ainda para aprendizes mais temerosos da arte da condução efectuarem os treinos indispensáveis para o exercício da mesma sem se atemorizarem com a concorrência dos mais experientes nas vias públicas.
Contudo, mesmo salpicado de vegetação rasteira, o veterano piloto do pequeno monomotor descortinou a imensa pista por entre o denso pinhal do planalto e efectuou uma aterragem perfeita. O que não esperaria, certamente, era que ao sair da aeronave se iria deparar com dois façanhudos elementos da Guarda Nacional Republicana a indagar da presença de tão insólito intruso naquele espaço. De facto, era caso para especular acerca da eficiência de um tal serviço de inteligência, capaz de detectar, em tempo real, a presença de qualquer objecto voador em solo transmontano, mesmo sem haver sinais de radar que denunciasse a sua aproximação e a suposta torre de controle estar tão degradada como a própria pista!
Na realidade, a oportunidade de tal acção nada teve a ver com qualquer minuciosa e aturada recolha de notícias ou trabalho de laboratório. À semelhança de muitas outras que diariamente preenchem os registos dos Postos foi apenas fruto do acaso.
Naquele dia, da parte de tarde, a patrulha motorizada saíu do quartel sem outro objectivo que não fosse efectuar o giro definido na respectiva guia e regressar ao ponto de partida a tempo e horas. É que aqueles meios de transporte não eram uma mais-valia para o desempenho das funções policiais, pelo contrário, constituiam um quebra-cabeças tanto para quem os conduzia como para quem os administrava. Não raras vezes era necessário promover o retorno a reboque por avarias irremediáveis e quando isso não acontecia era certo que os elementos da patrulha chegavam ao Quartel todos sujos, mal ataviados, psicologicamente desgastados e fisicamente arrasados porque pelo percurso tinham que limpar as velas uma e outra vez, ou verificar e ajustar as correntes de tracção, ou empurrar para pôr o motor a trabalhar, ou outras acções que eram o desespero de todos.
Mas o percurso na subida para a Chã até decorreu sem incidentes e quando lá chegaram aperceberam-se do raro fenómeno - uma avioneta estava a fazer-se à pista - e o dever obrigava-os a verificar do que se tratava para dar cumprimento às determinações superiores que impunham a imediata comunicação de qualquer acção que pusesse em causa a soberania e integridade do território nacional.
Foi assim que abordaram o arrojado piloto inglês recolhendo os dados necessários para efectuar a comunicação ao escalão superior, ao mesmo tempo que lhe prestaram o apoio necessário para garantir a segurança do seu meio de transporte e a deslocação para a Pousada Barão de Forrester onde tinha reservado alojamento para pernoitar e descansar que bem precisava.
Fiquei surpreso pelo regresso extemporâneo da patrulha mas foi por uma boa causa. Peguei nos elementos fornecidos e imediatamente uma mensagem voou pelo espaço, através das ondas hertzianas, até ao comando imediato, deste para outro, e outro, e outro até que alguém se lembrou que era preciso complementar a informação com mais elementos, que só podiam ser obtidos junto do súbdito de Sua Magestade.
Eu próprio, acompanhado pelo motorista, me dirigi à magnífica Pousada onde, com a ajuda preciosa do funcionário em serviço no bar, já que os meus conhecimentos de inglês não permitiam sustentar o diálogo, consegui sacar os dados de que precisava para complementar a informação. Aproveitei para desejar uma boa estadia ao forasteiro e regressei ao meu local de trabalho dando cumprimento ao que me fora solicitado. Só que não foi ainda desta vez que o serviço ficou concluído. Faltava ainda saber por onde tinha entrado em território nacional, quando tencionava partir e para onde. Já estava a ser complicado demais mas não havia nada a fazer que não fosse voltar à Pousada.
O cidadão estrangeiro ainda se encontrava no mesmo local, sensivelmente na mesma posição, à conversa com o barmen, apenas tinha mudado o líquido do copo, e não manifestou qualquer enfado pela insistência e persistência em lhe "arrancar" tudo que sabia mas algo deve ter perpassado como um alarme pela sua mente que, após fornecer as informações solicitadas, sacou instintivamente da carteira e "ameaçou-nos" com uns papéis estranhos que eu reconheci como sendo próprios para "agradecer" o nosso empenho e dedicação para que a sua estadia ali fosse o melhor possível.
Obviamente não aceitamos e ficamos gratos por não ser necessário voltar ao contacto com aquela personagem que, além de ter sido surpreendido com uma recepção de que não estaria à espera, ainda mais embaraçado e confuso deve ter ficado com a nossa complexa e delicada recolha de informações pensando que tinha aterrado em Myanmar ou na Somália.
4 comentários:
Me perco em pensamentos lendo seus
contos.
Muito bom conhecer outras mentes.
abraços
izil
Caro Eira-Velha:
Mais uma estória para o valioso rol que vai construindo.
Continui a buscar pelas memórias que tem no fundo das gavetas, que elas constituem documentos da cultura organizacional da Guarda, que tanta falta fazem...
Abraços do Zé Guita
Amigo, memórias do trabalho íntegro que desempenhamos durante a nossa curta estadia por aqui,
acredito ser uma das bagagens mais gratificantes que podemos carregar.
E por isto gosto de ler o que escreves.
Abraços
Sr.Boaventura EIRA-VELHA:
Descupe-me o trato, mas não tenho outra identificação sua.
Sou o J.Casimiro que enviou para o blog do Sr. coronel Fraga a defição deste Governo.
Defini o MDM= Sargentão. (OFICIAL SEM CURSO REGULAR, OU DE CULTURA ESCASSA OU NULA.) Esta è a minha definição do MDM.
Se o Sr .consultar o dicionário verá que não denegri a imagem dos Sargentos, até porque eu próprio sou Sargento da Marinha.
Respodi para o mesmo blog a explicar ao Sg.Chefe Carlos Nuno, mas ainda não foi publicado e não sei se será, por isso gostaria de fazer chegar esta mensagem ao mesmo. Pesso desculpa por ter sido mal intrepertado.
Junto lhe envio a mnha identifivação.
Pedro Jorge Casimiro Cardoso S.Mor Marinha. 60 anos de idade.
Grato pela sua atençao receba
UM GRANDE ABRAÇO
Pedro Cardoso
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