Era um jovem irreverente e de difícil correcção. Mais de uma vez foi acusado, julgado e condenado por pequenos delitos, muitas outras ficaram sem punição porque não foi possível obter prova concludente da sua autoria, outras tantas teria sido indiciado sem culpa.
A perda prematura do pai fez com que crescesse sem uma referência forte que o induzisse a trilhar caminhos socialmente correctos e a mãe, doente e incapaz de suprir as carências paternas, acabou por sucumbir precocemente, certamente envergonhada pela conduta desviante adoptada pelo filho rebelde.
Muitas vezes foi procurado e chamado ao Posto policial local para prestar contas dos seus actos, quer por iniciativa das autoridades judiciais, quer por iniciativa das autoridades policiais.
A determinada altura deixámos de ter contacto com ele, desapareceu, e as solicitações dos tribunais para comparecer a actos judiciais ou a julgamento acumulavam-se sem resposta. As patrulhas quase sempre se faziam acompanhar de expediente relacionado com as suas acções marginais. Até que um dia, finalmente, o jovem Rodrigo apareceu. E, como sempre, logo que soube da persistência da Guarda em encontrá-lo, dirigiu-se ao Posto para resolver todas as pendências que ali se acumulavam.
Vi no homem que já era alguma vontade de mudar. Tinha ido para o Algarve trabalhar e a vida começava a ser encarada por ele de outro modo. Estava farto de se ver envolvido em problemas com a justiça. Queria mesmo mudar. E para firmar um contrato de trabalho na construção civil precisava de obter uma segunda via do Bilhete de Identidade que se tinha extraviado. Para tal deslocou-se à terra e aproveitou para rever os "amigos", frequentar os locais habituais, enfim, reencontrar-se com um passado recente que tantos problemas lhe acarretara.
Estava agora perante mim, desanimado, sem saída. Gastara todo o dinheiro que tinha para as viagens e obtenção do BI e não sabia o que havia de fazer para resolver o problema. Em quê? Em drogas ou sucedâneos dessa maldição que se tem abatido sobre tantos e tantos, jovens e menos jovens, sobre agregados familiares completos...
Crédulo ou ingénuo mas imbuído de um espírito missionário do tamanho do mundo perguntei-lhe de quanto precisava para resolver tudo e voltar para o trabalho que o esperava no Algarve. Respondeu-me, timidamente e visivelmente surpreendido, que com mil e quinhentos escudos conseguia governar as coisas. Eu seria a última pessoa de quem ele esperaria qualquer ajuda para um problema candente... mas demonstrei-lhe que estava enganado.
Revolvi as gavetas da minha secretária e juntei a importância necessária para conceder um "empréstimo" àquele desgraçado a quem os "amigos", de algum modo, deixaram numa situação difícil. Ao entregar-lhe aquela quantia vinquei bem que não era uma dádiva, nem esmola, que era apenas um empréstimo e acreditava que, quando pudesse, ele próprio me iria devolver todo o dinheiro que generosamente lhe confiava, sem outro contrato que não fosse o da mútua confiança.
Pobre crente!
Nunca mais lhe pus a vista em cima e ainda hoje estou à espera que ele venha acertar as contas comigo.
Na verdade não fui tão ingénuo assim. Conhecia-o bem, tinha a certeza que era tempo perdido e uma vaga convicção de que queria que assim não fosse. Mas o meu pior pressentimento foi confirmado.
Certamente continua por caminhos tortuosos, com os "amigos" de sempre ou outros do mesmo quilate.
Por mim está perdoado!
4 comentários:
(e quem nasce mal fadado melhor, fado não terá)
De qualquer forma apreciei o teu gesto. Deve-se sempre por alguma esperança nas pessoas! Tu pelo menos tentaste fazer algo por alguém! Boa alma! :))))
eu vou dar-lhe ainda o benefício da dúvida... um dia vai aparecer-te e pagar-te-á a dívida.
bonito gesto, o teu!
um abraço
luísa
Conta um Não garantido, um Sim duvidoso vale sempre mais.
Se não nos dermos oportunidades, uns aos outros, caímos na mais estéril existência.
Abraço.
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