Estava quase a atingir a reforma e era um Guarda a denotar cansaço das patrulhas, da farda e de muitos anos de constante stresse, diligente o suficiente mas não extremamente dedicado. Era visível a "erosão" do tempo mas mesmo assim não regateava uma ordem nem se eximia às responsabilidades.
Naquele dia era o único elemento disponível para exercer a função de motorista numa das minhas frequentes rondas pelas povoações e, mesmo sabendo da sua limitada aptidão para aquela tarefa, lá tive de o incumbir daquela missão.
Assim iniciamos um périplo por diversas aldeias: Granja, Favaios, Sanfins do Douro, Cheires...
E foi aqui que a coisa "azedou"...
Àquela hora do dia a simpática aldeia, onde se produz o melhor vinho generoso do mundo, estava deserta. Descemos pela rua que atravessa a localidade, em plena urbe descrevemos uma curva à esquerda, um desvio à direita e eis-nos no adro da pequena capela. À direita fica o Quartel dos Bombeiros Voluntários, à porta do qual se encontrava um jovem, talvez de plantão, certamente um pouco aborrecido por não ter nada para fazer.
O velho Guarda entra no largo da capela e descreve um semi-círculo para inverter a marcha. Como o espaço não permitia efectuar a manobra de uma só vez, teve necessidade de engrenar a marcha "à ré" e recuar um pouco. Só que a manobra não saiu bem e o motor "foi-se abaixo". No silêncio absoluto ouviu-se nitidamente a voz do jovem Voluntário: Nabo!
Sem perder a compostura, lentamente, como era seu apanágio, o condutor colocou o motor em acção, terminou a manobra e reiniciou a marcha em sentido inverso. Ao passar novamente em frente ao Quartel dos Bombeiros onde o jovem voluntário permanecia como se nada se tivesse passado, o veterano condutor parou e chamou-o: - Óhhh, venha cá faz favor...
Nitidamente preocupado, o jovem aproximou-se e o Guarda interpelou-o com cara de poucos amigos: - O que foi que você disse há bocadinho?
A resposta foi espontânea e pronta: - Eu disse que vinha aqui a senhora guarda!
3 comentários:
Também vim aqui..
Bjs
S.
Naquele tempo, era assim, por "senhora Guarda", que, no Portugal profundo das nossas aldeias e vilas, se via e tratava a autoridade do Estado, representada pela "majestosa, mas simples" patrulha da Guarda.
Outro bonito retrato da vida simples da nossa gente. Felicito-o, por isso.
... e o Zé Guita aplaude calorosamente!
Abraço
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