segunda-feira, 20 de outubro de 2008

O Tesouro Encantado (X)

Havia apenas uma certeza. Tinha participado activamente na aventura e fora ele a descobrir o livro maldito cujo paradeiro fora, até ali, uma incógnita. Há coisas do diabo, dizia-se, e aquele caso era o tema do momento na pequena aldeia serrana, onde havia uma inquestionável crença nos poderes sobrenaturais das bruxas e dos santos e uma inabalável fé em Deus e no Diabo. Por isso começava a ganhar forma a ideia de que naquele momento já se encontraria a arder os horrores infernais arrebatado da Terra pelas poderosas garras de Satanás transformado em morcego descomunal e de nada serviria procurá-lo por onde quer que fosse.
Só que o Cabo da Guarda não era homem de se acomodar a uma explicação tão simplista e desprovida de fundamentos plausíveis. Por isso decidiu pernoitar na aldeia para continuar as diligências no dia seguinte, que na ânsia de ver esclarecido o intrincado caso nem deu pelo tempo a passar e era já noite cerrada.
Era costume aboletarem-se em casa do João Sapateiro, no sítio do Regueiro, e foi para lá que se dirigiram.
A dona da casa, que durante o dia se esfalfava nas lides do campo e em casa superintendia em tudo, já providenciara uma frugal refeição, com recurso aos produtos da casa, que naquele tempo não havia equipamentos de frio e era tudo conservado por métodos ancestrais ou consumido fresco, da horta ou da capoeira. Umas simples batatas e couves cozidas com um pedaço de lacão, uma espécie de presunto feito com o pernil e a pá do porco, com a sua licença, como era usual dizer-se, fizeram as delícias da família e dos hóspedes. Remataram a ceia com uma sopa de leite que, como o nome indica, não era mais do que uma mistura de água, leite e farinha de milho para engrossar.
Ainda permaneceram um pouco à mesa, sob a pálida luz de uma candeia a petróleo, a conversar do tema da actualidade, como não podia deixar de ser, mas, cansados, cedo se retiraram para os aposentos já de todos conhecidos.
Sabia bem repousar, despojado da incómoda farpela, naqueles simples catres guarnecidos com uns almadraques cheios de palha de centeio. Apesar do desgaste de muitas noites de uso, as roupas fabricadas artesanalmente nos teares domésticos exalavam um cheiro fresco e agradável e rapidamente se afundaram num sono profundo e regenerador.

1 comentário:

nandokas disse...

Olá amigo,

Este episódio já está lido e, como sei que há outro mais acima, vou já para lá.

Até já e um abraço.