sábado, 18 de outubro de 2008

Do Rio Tua ao Rio Pinhão - O Senhor "General"

Homem pequeno, saco de veneno, diz o povo. E eu confirmo e juro por tudo que é bem verdade. Um deles já foi protagonista de uma das minhas estórias verdadeiras e esta segue na senda da anterior, não tanto pelo enredo mas mais pela localização geográfica.
Pois o homenzinho era mesmo baixinho mas os homens não se medem aos palmos. O facto é que uma velha contenda com um vizinho foi por ele resolvida com um tiro de caçadeira, derrubando-o de um andaime onde desenvolvia a sua actividade na construção civil.
Foi preso e condenado, expiou a pena que lhe foi imposta e regressou a casa. Só que as coisas aqui tinham mudado muito e os problemas com um genro, reformado por invalidez, beberrão e de mau feitio começaram a agitar a localidade e a dar muito trabalho às forças policiais que ali tinham de se deslocar com frequência para dirimir os conflitos e garantir a ordem.
De tal modo que já cansado de acorrer ou mandar acorrer às solicitações ora de um, ora do outro, ameaçei-o de que o "metia" de novo na cadeia para cumprir o resto da pena que lhe faltava, que bastava apenas informar o Tribunal de Execução de Penas do que se estava a passar.
A ameaça deixou o homem apavorado e não sei com quem falou mas dali a dias recebi a visita de um funcionário dos serviços prisionais a inquirir sobre o comportamento do ex-presidiário. Desvalorizei tudo e informei-o que, mau grado os conflitos em que estava envolvido, não havia necessidade de revogar a liberdade condicional, até porque me parecia, sinceramente, que era o menos culpado.
O caso era que o genro construiu uma casa no terreno do sogro e ali vivia com a mulher e os filhos. Só que enquanto este cumpria a pena as relações do casal (genro e filha) "azedaram" e a mulher abandonou a casa deixando ali o marido cada vez mais beberrão e apalermado.
Se um não era "boa rês", o outro não era melhor e das simples discussões passaram a actos mais concretos, chegando ao ponto do genro ter atirado um cocktail molotov para a casa do sogro, só não causando uma enorme tragédia por os habitantes se terem apercebido e apagado as chamas que começavam a deflagrar.
Assim, era recorrente a chamada de um e outro ao Posto para Inquérito, umas vezes para serem ouvidos como arguidos, outras como ofendidos.
Um dia encontrava-me à minha secretária de trabalho e o telefone tocou. Atendi, como de costume, declarando que falava do Posto da GNR de... ao que retorquiu o homenzinho: - Quem fala é o sr comandante, o sr general ou alguma praça? Algo embaraçado com a interpelação identifiquei-me e tomei conhecimento do motivo da chamada mas fiquei "com a pulga atrás da orelha". Quem seria o general a que o meu interlocutor se referira?
Volvidos dois ou três dias o mistério desvaneceu-se. O nosso homem apresentou-se no Posto para ser ouvido por causa das constantes "sarrafuscas" com o genro, como sempre muito bem vestido, de fato e gravata e com uma inseparável porchete na mão.
O meu gabinete servia para tudo: era secretaria, sala de inquéritos, gabinete de recepção de queixas... Por isso, o Cabo que estava encarregado dos inquéritos chamou-o e iniciou a diligência. Mesmo sem querer tinha que ouvir as perguntas e respostas e apercebi-me que o clima entre ambos se ia degradando. De tal modo que a determinada altura o Cabo insistia nas perguntas mal esclarecidas e o declarante já em desespero ia retorquindo quase aos gritos: NÃO, SENHOR GENERAL, NÃO FOI ASSIM...
Tive de sair do gabinete para não perturbar o acto que ao meu lado decorria com uma estrondosa gargalhada. O que nunca consegui esclarecer foi por que cartilha tinha o homenzinho estudado para estabelecer aquela relação hierárquica, atribuindo ao cabo uma patente de topo!!!
De resto tudo se remediou. Poucos dias depois o genro apareceu morto na própria residência. A primeira impressão que tive ao receber a notícia foi de apreensão e temi o pior mas tudo se desfez logo que cheguei ao local onde jazia o cadáver, sentado à mesa, com os lábios ainda marcados pelo leite que tinha ingerido misturado com um forte pesticida, a caneca por onde tinha bebido em cima da tábua com restos da mesma bebida e exalando um horroroso cheiro ao produto tóxico adicionado.
Processo arquivado.

2 comentários:

éf disse...

«Homem pequeno, saco de veneno, diz o povo». Existirão excepções que confirmam a regra mas, até ao meomento, também confirmo.

Texto muito bem escrito Eira-Velha. Eu vou aproveitando para ler coisas assim, "em tempo real", porque daqui a uns anos só indo à estante reabrir coisas de antanho. Mas fico a matutar que raio irão escrever, e de que forma, as criaturas das novas gerações?!

Anónimo disse...

Mais e fortes razões para que se considerem da maior importância as "estórias" que o Eira Velha nos vem contando,que se deseja continuem, e que devem ser reunidas e editadas em livro que perdure para enriquecimento de actuais e vindouros.