sábado, 20 de outubro de 2007

As Pombinhas da Catrina

Não era cigano mas toda a gente o conhecia por essa alcunha, certamente por ter como companheira uma mulher dessa etnia e desenvolver um modo de vida típico dessa gente.
Rumou a norte pelas Beiras e radicou-se em Presandães onde nunca se integrou plenamente, mais por causa da sua personalidade quezilenta do que pela hostilidade da população nativa. Era mais tolerado pelo temor do que pelo respeito e as brigas constantes com um vizinho obrigaram este a vender o que possuía e a ir viver para outra terra.
Pouco ou nada se sabia do seu passado apesar de alguns rumores indiciarem ter tido problemas com a justiça lá para os lados de onde provinha e até ter adoptado uma identidade falsa mas de concreto não se sabia nada. Ali permaneceu vários anos e do seu agregado familiar faziam parte três bonitas raparigas que desabrochavam, vistosas e apetecíveis, numa sequência etária regular. E como o pai não permitia que se relacionassem com os rapazes da terra, nem de fora da terra, acabavam por partir contra a vontade dos progenitores, quais pombinhas que abandonam o pombal, que a natureza pode mais do que a vontade humana.
Das três ficou a mais nova, ainda adolescente, mas à semelhança das irmãs, quando o tempo chegou enamorou-se por um jovem da terra e também esta, para seguir o que o coração lhe pedia, desapareceu da casa paterna.
Desesperado, o cigano procurou-a por todo o lado, indagou do paradeiro do namorado, denunciou o desaparecimento da filha às autoridades mas em vão. Todos os dias percorria os recantos por onde era habitual a jovem deslocar-se, ia ao posto policial indagar se havia alguma notícia, reclamou para o ministro por causa da inoperância dos agentes que se preocupavam mais com as pequenas explorações agrárias que possuíam do que com a segurança dos cidadãos, acabou por escolher para alvo da sua fúria a pessoa errada: o pai do namorado da filha.
O senhor Jaime era um viúvo sexagenário e ainda vigoroso, com um físico moldado pela austeridade agreste da paisagem duriense, um cidadão um pouco reservado mas muito respeitado na terra. Um dia, após o almoço, fumava tranquilamente um cigarro no alpendre da sua casa quando o “Cigano”, conduzindo o seu veículo de tracção animal tirado por uma possante mula, subia pela estrada que atravessa o lugar em direcção a casa. Este, ao avistar o Jaime, dirigiu-lhe um chorrilho de insultos e, não satisfeito, terá disparado um tiro de pistola na sua direcção.
O “Cigano” continuou o caminho e uns quinhentos metros à frente saiu da estrada para a direita, desceu uma rampa e virou novamente à direita. Uns metros adiante o caminho apresentava uma bifurcação, em frente continuava em direcção à casa do Jaime e à esquerda para o centro da localidade onde o “Cigano” morava. Quando descrevia a curva para a esquerda surge o Jaime de caçadeira em riste e o disparo ecoou sinistro pela pequena aldeia. Ágil, o “Cigano” saltou da carroça e fugiu. Chegou ao posto policial esbaforido a denunciar o atentado de que fora alvo e a pedir protecção. Quem pagou as consequências foi o desditoso animal que apanhou o grosso do disparo na cabeça e teve de ser abatido.
Naquela mesma noite o temido “Cigano” desapareceu da pequena aldeia e nunca mais foi visto por ali. Nem compareceu ao julgamento onde o senhor Jaime respondeu pelo crime de que foi acusado e do qual foi absolvido.
Quando falava do assunto, o senhor Jaime, com a tranquilidade que lhe era peculiar, redarguia: Comigo ele (o cigano) não faz o que fez com o outro. Eu já vivi a minha vida, não tenho nada a perder…

2 comentários:

Anónimo disse...

ao menos estas pombinhas
não andaram de mão em mão
não se sabe onde foram ter
seguiram seu coração

abraço
luísa

Anónimo disse...

Com todos os textos que escreve Tio porque não escrve um libro ?
Eu era a primeira a comprar para oo ler!!!E assim todos as recordaçõens ficavam escritas no papel.beijinhos!!!