quinta-feira, 25 de outubro de 2007

O Palácio da Justiça

Foi há algumas décadas. O dia estava radioso e havia festa na Vila e sede de Concelho em Monção.
A inauguração de um emblemático empreendimento público, designado geralmente por "Palácio de Justiça", fez deslocar ao Alto Minho a mais proeminente figura do Estado, o Almirante Américo de Deus Rodrigues Tomás, ou Thomaz, na altura a ocupar "democraticamente" o cargo de Presidente da República, e foi feito um convite à população em geral para lhe manifestar o "carinho, o apreço e a gratidão" do Povo do Norte...
Como havia transportes à borla, aproveitei a ideia para me associar a um pequeno grupo de Cavenca e ao mesmo tempo fazer uma pausa nas malfadadas lides do campo.
Preparamo-nos a rigor, lavadinhos e vestidos com a melhor farpela e rumamos serra abaixo em direcção ao lugar do Cruzeiro onde tinha o seu términus a velha camioneta da carreira de Monção para Riba de Mouro, coisa que só existia regularmente às quintas feiras e excepcionalmente para aquele grandioso evento.
A caminhada de Cavenca ao Cruzeiro era longa, cerca de quatro quilómetros por caminhos de cabras e um estradão em terra batida rasgado pelos Serviços Florestais, mas para nós não representava qualquer dificuldade, habituados que estavamos a calcorreá-los de dia e de noite.
Já em pleno lugar da Gateira, caminhávamos céleres e com o máximo cuidado para não sujar o calçado nem a roupa mas eis que surge na curva da estrada, em direcção a nós, um motociclista em alta velocidade, um daqueles novos-ricos que em França tinha angariado fundos para trocar o meio de transporte tradicional, os burros e machos, por uma moderna motocicleta equipada com um poderoso motor da marca "pachancho" de 49 cc de potência!
Aquilo era uma visão rara na aldeia e eu, boquiaberto, fiquei a olhar o percurso do motociclista que passou por nós como um raio e não reparei numa nascente de água que jorrava das profundezas da terra fruto da perfuração de uma conduta de água que alguém fizera atravessar o caminho. Meti a "pata na poça" e atolei-me até aos joelhos. Quando saí para a terra firme estava uma miséria, com a barrenta lama a encharcar-me sapatos e calças...
Que fazer? Desistir? Não, jamais... limpei-me o melhor que pude e continuei a caminhada sem desânimo.
A minha persistência foi bem recompensada.
Em plena praça da Terra Nova, pude ver bem de perto a alva figura do Presidente, que parecia bem mais normal do que na fotografia que me habituara a ver nos manuais escolares onde surgia imponente e com uma cores bem mais saudáveis do que na realidade apresentava. Até o fato de marujo parecia um pouco encarquilhado, comparado com a lisura do papel.
O Palácio da Justiça foi inaugurado com pompa e circunstância e surgia magnificente perante os olhares da populaça que acorreu de todas as freguesias do vasto concelho.
Hoje já se torna pequeno e parece insuficiente para albergar os diversos serviços judiciais e cartórios que ali foram instalados. Foi ali que um destes dias foi revelada a sentença que condenou a sete anos de prisão uma jovem mãe por ter provocado a morte de uma filha de tenra idade a pontapé...
O palácio da justiça cumpriu mais uma vez a sua função.

3 comentários:

Rubia disse...

tb o conheço nas minhas lides diárias... e até temos uma sala (adv) toda janota, com bastante material: fax, fotocopiadoras, etc... mas n há tinteiros, ligações e tutti quanti... fartei-m de rir do ridículo da situação!

Anónimo disse...

Olá, Eira-Velha! Cá vamos nós, de eira em eira, caminhando em direcção ao desconhecido, mas tu fizeste essa caminhada atrás do homem alvo, porque era assim que ditavam as boas normas da época. Eu nunca fiz caminhadas dessas, um pouco forçadas, mas dá para perceber que o Regedor de Soajo, nesse tempo, ainda ditava algumas leis do seu curral! Não me lembro de que, nos primórdios da minha existência, houvesse, lá por Soajo, necessidade de algum palacete para administrar a Justiça. Mas se hoje, passar por lá pelo Verão, altura de regressos em massa, a coisa que mais ouço falar é de que, fulano e beltrano, se preparam para irem decidir da sua contenda em Tribunal. Uma das formas modernas de mostrar que o dinheiro já por lá tem o seu mando! Um abraço.

Vladimir disse...

Qual é a sua opinião sobre a desconfiança?