sábado, 20 de setembro de 2008

A Escola de Cavenca

Sentia um orgulho enorme ao escrever, no final de cada exercício (cópia, ditado, redacção) a identificação da escola, a data e o meu nome. Tudo com letras bem desenhadas, se não a palmatória "cantava", era certo. O Posto Escolar Misto de Cavenca era, como a designação indica e numa época em que existiam escolas masculinas e femininas, uma escola do ensino primário que acolhia os rapazes e raparigas dos lugares de Cavenca e alguns de Lijó, ambos pertencentes à freguesia de Riba de Mouro, concelho de Monção, porque havia casos em que os pais preferiam que fossem para a Gave, já no concelho de Melgaço, que era sensivelmente equidistante, nunca soube qual a razão. Para Cavenca foram os filhos mais novos do Zé das Nogueiras, os do António do Quim, os do Henrique e os meus primos, filhos dos meus tios Daniel Afonso e Saudade. Todos os restantes, que também não eram muitos, rumaram para outro destino.
Uns que entravam, outros que saíam, habilitados com a terceira ou a quarta classe, por vezes a segunda, a pequena escola estava quase sempre repleta, entre 20 e 30 alunos.
Ao certo não sei quando ali se iniciou o ensino primário regularmente mas da geração anterior à minha pouca gente aprendeu a ler e escrever fluentemente e dos poucos que aprenderam eram quase só homens.
Funcionou primeiro em diversas casas, cedidas pelos habitantes para servir de escola e de habitação da própria professora (não tenho ideia de lá ter leccionado professor algum) e ali por finais da década de 50 (Séc. XX) o povo construiu um pequeno edifício para esse fim, o qual ainda lá se encontra mas sem qualquer utilidade. O terreno foi doado pelo Ti António Freixinho e a gente fez o resto: cortar e transportar a pedra, serrar as madeiras, comprar as telhas, a construção. O mobiliário (carteiras, secretária, quadro de ardósia, mapas e fotografias daqueles que nós sabemos - igual em todas as escolas) foram fornecidos não sei por quem. Tinha apenas uma divisão onde conviviam as quatro classes, devidamente ordenadas hierarquicamente - a quarta à frente, seguindo-se a terceira, a segunda e ao fundo a primeira.
Uma só professora, sem outro auxiliar que não fosse a pesada régua, ia dando conta do recado aos gritos, ao sopapo, à reguada e com uma enorme dose de profissionalismo, dedicação e paciência à mistura.
O ano lectivo iniciava-se em princípios de Outubro e os preparativos não exigiam grande dispêndio financeiro. Um saco ao tiracolo, feito em casa de tecido grosseiro, servia para transportar os manuais, quase sempre "herdados" em segunda ou terceira mão, a lousa de ardósia encaixilhada (muitas vezes apenas um pedaço) e o caderno, o lápis do mesmo material da lousa e a pena, uma pequena haste de madeira com um bico metálico que em vez de escrever borrava tudo...
Em Outubro de 1960 entrei lá perfeitamente ignorante e desconhecedor do mundo que nos rodeava. Passados quatro anos terminou o meu percurso académico, do mesmo modo ignorante e com uma catrefada de mentiras na cabeça mas com um ferramenta importante que se revelou fundamental ao longo da vida: sabia ler, escrever e contar. Era pouco mas abria-me as portas do mundo. E isso eu agradeço a quem se sacrificou para mo propiciar, principalmente à professora Rosa Domingues, de Alvaredo.

6 comentários:

Anónimo disse...

Caro Eira-Velha

Essa pluma vai estando cada vez mais afinada.
Tocou-me em velhas memórias, com algumas semelhanças. E comoveu-me.

Abraços

Anónimo disse...

quantas saudades da escola primària , e daqueles tempos !!!
abraços !!!

Anónimo disse...

Que saudades me deram agora da minha escola. Frequentei-a pela primeira vez em 1967, já o senhor era "doutor", mas uma coisa é certa: acabou de descrever quase fielmente a minha escola. Digo quase porque esqueceu-se de mencionar o mais importante: o que estava - ainda devia estar - ao centro, bem no alto, o Principal, que O era e continuará a ser sempre, apesar de O tentarem apagar da memória do Povo: o Crucifixo com a imagem de Jesus Cristo... adiante, penso que se esqueceu de O referir e que não o fez de propósito, por isso, seja em Cavenca ou na Gave, professora Rosa Domingues ou Leonor Alves, as nossas escolas eram semelhantes. Obrigado por hoje ma fazer recordar.
Abraço

Eira-Velha disse...

O comentário do amigo Manuel Caldas deixou-me a pensar. Tenho dado voltas e mais voltas ao arquivo das minhas memórias e não há forma de O descobrir lá em cima... E foram quatro anos a olhar para aquele lado! Ou muito me engano ou, de facto, não tivemos direito à Sua presença em casa tão modesta. É que se há algum sítio por onde Cristo não passou, Cavenca é forte candidato. Mas não tenho dúvidas que Ele estava lá...

Anónimo disse...

Olá mano
Eu me delicio com o que você escreve e como escreve. Como bem disse a Virgínia, quantas saudades!!
Acho que o M. Caldas tem razão.Se não me falha a memória, as escolas tinham um Cristo sim, só não sei se rezávamos, mas sei que cantávamos o hino nacional.
Beijos mano extensivo à família.

Anónimo disse...

Olà amigo Bentura; Foi con prazer que eu li este teu publicado onde vi os nomes destes familiares muito proximos.Con respeito à escola eu penço que nos anos 60 não havia là cruzes nen cantavamos o ino nacional(diariamente) à uns anos passei là matar saudades e mostrar aus meus filhos onde eu passei o meu (MASTER`S .XAU AMIGO.