segunda-feira, 15 de setembro de 2008

O Tesouro Encantado (VII)

Foram direitinhos à Casa do Santo, junto da capela da aldeia, a residência do Padre Bernardino, um refugiado Galego acolhido com extremo carinho por aquela gente. E não era caso para menos. Além de velar espiritualmente pelo seu rebanho, o Padre desenvolveu uma obra social de relevo, criando uma escola e chegando a formar e dirigir uma banda de música que ficou célebre em toda a região. Quando abriu a porta e deparou com o ar cansado da patrulha adivinhou logo o objectivo da visita. Sem a menor cerimónia os homens da lei entraram, pousaram as armas e as mochilas e sentaram-se à mesa onde havia sempre um pedaço de broa e uma caneca com vinho azedo, autênticos manjares de deuses de que se serviram regalados enquanto o Padre espevitava o lume para aquecer a sopa.
Entretanto actualizavam-se as informações. O Zé da Bina andava desaparecido havia dois dias. Ninguém sabia dele. Na semana anterior tinham desaparecido cinco galinhas de diversos galinheiros, por sinal todas pretas, e também tinha desaparecido o gato preto da Ana da Pinta, disse o Padre benzendo-se. E quatro rapazes fortes e espadaúdos tinham amanhecido doentes, com febre e todos arranhados nas mãos e no rosto, parecia obra do mafarrico.
O comandante e o seu ordenança ouviam tudo atentamente mas a atenção deles estava mais centrada no negro pote de ferro que ao lado do lume já resfolegava como uma locomotiva. Sem delongas, o Padre encheu duas enormes tigelas de barro vidrado e colocou-as à frente dos visitantes que prontamente atacaram aquele fumegante, espesso e nutritivo caldo de couves com feijões e farinha de milho.
Agora que o estômago já não clamava por sustento e mais descansados da longa caminhada já havia melhores condições para pensar. As coisas começavam a encaixar: as conversas na taberna, os despojos das galinhas e do gato lá na serra, os misteriosos desaparecimentos em Cavenca e a súbita maleita que acometera os jovens constituíam as peças de um puzzle em formação. Mas havia ainda brechas por preencher e questões que requeriam uma solução. O Zé da Bina, que havia dois dias ninguém via, onde se encaixaria naquele enigma? E que motivos levariam o grupo àqueles confins da serra para realizar um ritual demoníaco, cuja experiência indicava que era quase sempre relacionado com bruxas e frustradas questões amorosas?
Só havia uma forma de saber. Era interrogar os presumíveis protagonistas. Nesse sentido, despediram-se cordialmente do Reverendo e percorreram a principal rua da localidade, um estreito caminho de calçada portuguesa com uns profundos sulcos laterais provocados pelas inúmeras passagens das ferragens que circundavam as grossas rodas dos carros de bois.

4 comentários:

Anónimo disse...

Caro Boaventura
É sempre com um rasgado sorriso que acompanho esta aventura.
Mesmo sem conhecer tão bem como tu estas paragens, conheci alguns dos personagens, assim como alguns dos locais evocados(sem falar nos costumes que vais referindo), o que me permite ir "visualizando" o desenrrolar da trama.
Um abraço ribamourense
M.Romano

Anónimo disse...

Caro Eira-Velha

É mais uma óptima estória para a colecção.
Além do mais, demonstra que a Guarda desde há muito que praticava "policiamento de proximidade", bastante antes deste ser teorizado e agarrado pelos políticos.

Prabens e força na Pluma.

Bocanegra disse...

Estou a gostar desta deriva do conto gótico para o conto policial. Está a ficar muito bem; até me fez lembrar "o Cão dos Baskervilles" do grande Conan Doyle. Penso até que, com uns retoques à medida, se pode fazer do nosso Cabo um Sherlock Holmes de Riba do Mouro.

Parabéns! Está sem dúvida a valer o esforço.

Abraço e boa continuação.

nandokas disse...

Olá Eira-Velha,
Acabei de ler os sete episódios do "Tesouro Encantado".
Pelo conteúdo do conto, pela descrição e pelo 'suspense' no fim de cada texto, os meus parabéns!
Fico à espera do próximo, ok?
Abraço, amigo.