Sempre que oiço falar de escassez de cereais e do espectro da fome, temas de grande actualidade, lembro-me do tempo em que as famílias portuguesas subsistiam por si sós ou, quando muito, à custa da solidariedade alheia, já que o estado existia apenas para esmifrar um pouco mais as depauperadas economias domésticas.
Nesse tempo, na minha terra e em muitas outras em redor, garantiu-se autonomia e sobreviveu-se à custa de um cereal antiquíssimo, cujas sementes vieram para a Europa a bordo das naus de Colombo e a partir do qual tudo se obtinha, o milho.
O milho adaptou-se extremamente bem ao solo e ao clima do Minho. Planta rústica, resistente a doenças e fácil de conservar, foi esse cereal que permitiu à minha gente ultrapassar a recessão económica que grassou nos conturbados períodos de guerra da primeira metade do Século XX, primeiro na vizinha Espanha, depois a nível mundial.
Chegou a ser alvo de racionamento e confiscado pelos agentes do governo sempre que a produção excedia a quantidade estabelecida para cada elemento do agregado familiar e usaram-se mil e um estratagemas para ludibriar a fiscalização, desde a criação de cisternas por debaixo do pavimento das casas até ao transporte para locais distantes e de difícil acesso onde ficava sob vigilância da população até poder ser devolvido aos espigueiros e ali conservado entre as colheitas. Era usado na alimentação de pessoas e criação de animais, servia de moeda nas trocas comerciais, tinha um valor inestimável.
A sementeira ocorria essencialmente em Maio, um mês de intensíssima actividade agrícola.
Os campos eram fertilizados com o estrume das cortes do gado e lavrados com arados atesanais puxados, em regra, por tês juntas de vacas, em geral, porque as vacas, além de efectuarem o necessário trabalho de tracção, pariam e produziam leite, recursos de vital importância para as parcas economias rurais.
Dos Valados até às Várzeas, do Castinheiro do Caminho até às Carvalheiras, do Rochão até aos Carqueijais, à volta do aglomerado habitacional tudo se transformava em terra lavrada, de negro colorida, tonalidade que apenas era alterada por pequenos salpicos de verdejantes hortas.
Os cheiros característicos a esterco e a terra revolvida misturavam-se com os aromas das flores silvestres de piornos e giestas, de tojo e de urze, gerando uma atmosfera única e inconfundível.
E os pequenos grãos de milho lançados ao solo nunca defraudaram a esperança de quem neles confiou fornecendo boas e abundantes colheitas que garantiam o sustento das populações.
Porém, os trabalhos de produção não terminavam ali. Ao longo do Verão, havia a sacha, a renda, a rega, em Outubro o corte e colocação em medeiras, a desfolhada e transporte para os espigueiros onde ficava a secar... e o consumo, até recomeçar o ciclo no ano seguinte.
O grão era a parte mais importante mas nada se desperdiçava. As plantas secas serviam para alimentação dos animais e os carolos aqueciam o ambiente nas lareiras das casas.
O milho, autêntico rei naqueles tempos de crise, perdeu valor e importância, não só devido à perda de braços para a sua produção, mas também porque as condições de vida se alteraram drasticamente.
Desse tempo resta a saudade, não dos trabalhos mas do produto final. Na minha terra fabricava-se um pão de milho, a broa, de características únicas e de um sabor inconfundível.
1 comentário:
Amigo, terá o milho ido para tua terra, vindo deste meu longínquo Brasil?
Adoro ler estas tuas memórias. E fico aqui a analisar a diferença dos tempos. Afinal, ainda somos jovens,não é? E as nossas memórias parecem de tempos tão antigos... Como o mundo mudou nestes últimos quarenta anos!
Um grande abraço
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