Tens noventa anos. És velha, dolorida. Dizes-me que foste a mais bela rapariga do teu tempo – e eu acredito. Não sabes ler. Tens as mãos grossas e deformadas, os pés encortiçados. Carregaste à cabeça toneladas de restolho e lenha, albufeiras de água. Viste nascer o sol todos os dias. De todo o pão que amassaste se faria um banquete universal. Criaste pessoas e gado, meteste os bácoros na tua própria cama quando o frio ameaçava gelá-los. Contaste-me histórias de aparições e lobisomens, velhas questões de família, um crime de morte. Trave da tua casa, lume da tua lareira – sete vezes engravidaste, sete vezes deste à luz.
O texto completo pode ser lido aqui.
Não me canso de ler esta carta que José Saramago dedicou à sua avó. Vejo neste retrato a figura de muitas avós, mães, irmãs. E como bem refere Saramago, a culpa não foi delas. E que bem eu o compreendo...
Foi este texto que me fez descobrir a obra literária do autor e arredar a ideia feita de opiniões alheias de que era um escritor "intragável".
2 comentários:
Tem razéao tio è uma carta linda !!!
gostei de a lêr !!!
e imprimi para levar para a minha Avò !!!
beijos
Engraçado que estava a ler o texto e pensava que era teu. Mas quando cheguei aos bácoros na cama, pensei: Afinal era mesmo costume... já o Saramago contava isto a respeito da sua avó :))))))
Isto é que vai uma crise, hem?
Não tinha lido o texto mas lembro-me de uma entrevista que ele deu na Rádio há muito tempo onde contou precisamente esta história quando se referiu aos tempos difíceis da sua avó.
Um texto muito bonito, sim
Bjs
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