segunda-feira, 10 de novembro de 2008

O Tesouro Encantado (XV)

A grande dificuldade é que o dia aproximava-se do seu fim e o local não era propício para ali estabelecer arraiais. A agravar a situação chegou a notícia, através de um estafado mensageiro, que as autoridades sanitárias e judiciais só podiam deslocar-se no dia seguinte e apenas a Cavenca pelo que o Cabo da Guarda devia promover a remoção do cadáver para o povoado com todas as cautelas para não prejudicar os exames forenses.
Era o mal menor. Pelo menos não iam ter de pernoitar naquele lugar já de si medonho, tanto mais na companhia de um morto em circunstâncias que pareciam ser obra do demónio e não faltou quem voluntariamente se oferecesse para efectuar o transporte. Com apropriados paus e lençóis que alguns familiares providencialmente tinham levado, foi o corpo carregado com todo o cuidado para uma improvisada maca e dali para a capela de Cavenca, que não havia local mais apropriado para colocar o defunto.
No dia seguinte chegaram umas pessoas importantes. Foram recebidas pelo Cabo da Guarda que mais uma vez fora obrigado a aboletar-se em casa do João Sapateiro e de imediato dirigiram-se à Capela. Havia alguns curiosos no exterior mas lá dentro ninguém foi capaz de permanecer por causa do pestilento odor. Também tal não fora permitido pelo zeloso agente da lei porque era forçoso garantir a inviolabilidade do putrefacto canastro do Zé da Bina.
Enquanto o Delegado do Ministério Público tomava apontamentos o médico legista deu início às operações para analisar pormenorizadamente o cadáver. Com a ajuda do seu auxiliar começou a recortar as diversas peças de vestuário perfeitamente intactas e, para espanto de todos, não encontrou sequelas que indiciassem causas prováveis da morte. Apenas ao voltar o cadáver para examinar a região dorsal do finado se tornaram visíveis cinco perfurações profundas, uma à direita e as outras quatro ao longo da grelha costal à esquerda, como se uma imensa mão, munida de longas e aceradas garras, o tivesse agarrado e arrebatado pelos ares, depositando-o no misterioso e recôndito local onde foi encontrado.
O caso foi encerrado ali mesmo. Do relatório da autópsia ficou a constar que o óbito ocorreu por causas desconhecidas.
O livro foi arrestado pelas autoridades e, ao que consta, o tesouro ainda hoje permanece nas profundezas da Fonte do Seixo à espera que alguém consiga quebrar o encantamento e resgatá-lo da maldição com que o discípulo de Mafoma o protegeu.


Chega assim ao fim a minha mais longa incursão pelo Conto. Não se tratará, certamente, de obra literária de vulto mas deu-me um gozo extraordinário escrevê-lo. Foi bom mergulhar nos tempos em que os serões eram preenchidos com narrativas do mesmo género e que nos faziam sonhar fantásticos seres forjados na nossa imaginação.
Os cenários são bem conhecidos das minhas gentes mas quero aqui deixar bem claro que qualquer semelhança com pessoas ou locais é mera coincidência.
Aqui pode ser lido o texto integral.

3 comentários:

Anónimo disse...

"Chega assim ao fim a minha mais longa incursão pelo Conto. Não se tratará, certamente, de obra literária de vulto mas deu-me um gozo extraordinário escrevê-lo."

Parabéns, mais uma vez, meu caro Eira-Velha. Trata-se, certamente, de obra literária muito interessante, a merecer continuidade. Quem a ler -estou certo disso- gozará tanto como quem a escreveu.
Abraço.

nandokas disse...

Olá,

Então, chegou ao fim o conto que segui com muita atenção, episódio a episódio.

E se a ti deu gozo escrevê-lo, podes crer que a mim deu imenso prazer lê-lo.

Muitos parabéns!

[... e cá fico à espera do próximo, ok?]

Abraço.

Anónimo disse...

Jà chegou ao fim !!!
que pena , mas sabe tio adorei lêr e jà tenho tudo nos papeis para que sua Madrinha possa lêr !!!
quando começa outro ?
beijos !!!