segunda-feira, 3 de novembro de 2008

O Tesouro Encantado (XIV)

Na sua residência oficial, o Cabo da Guarda tinha acabado de almoçar, a segunda refeição do dia que então se designava por jantar, e cochilava pachorrentamente à mesa quando alguém bateu à porta com vigor. Algo contrariado acorreu à porta para saber do que se tratava. Era o Plantão que tinha acabado de receber um telefonema do regedor de Riba de Mouro. Na serra, por cima de Cavenca, aparecera o cadáver de um homem, supostamente o jovem que tinha desaparecido misteriosamente uma semana atrás.
Estava um calor dos diabos mas não havia tempo a perder. Ataviou-se num instante e desceu as escadas para o seu gabinete, no rés do chão da moradia que também servia de Posto. Tentou contactar a autoridade judiciária mas ninguém atendeu do Tribunal. Àquela hora era certo que estava fechado para almoço. Mas não podia perder tempo sob pena de ter de pernoitar na serra até ao dia seguinte. Deixou instruções claras para que logo que fosse possível fosse informado o Delegado do Ministério Público do sucedido e acompanhado de um soldado que estava no Posto à ordem pôs-se em marcha com destino à maldita Fraga.
A jornada era longa e dura. Sabia-o por experiência própria. E tiveram sorte. Mal tinham iniciado a caminhada apanharam uma boleia numa camioneta de mercadorias que os transportou até à Igreja de Riba de Mouro, mas dali não passava. A estrada ficava mesmo por ali. Tiveram de meter os pés a caminho o que não era tarefa fácil.
Entretanto o Amadeu, conhecedor das enormes dificuldades de acesso à Torre dos Ferreiros, não ficou parado. Sabia que o esperava uma longa jornada e, fazendo alarde de toda a sua perícia para se deslocar naquelas condições, conseguiu contornar o penhasco e, protegendo o irreconhecível corpo com uns arbustos, foi esperar as autoridades para um local mais conhecido.
Eram quase cinco horas da tarde quando os agentes da autoridade chegaram, extenuados, ao Arroio onde o Amadeu os esperava. Seguiram por um estreito carreiro por cima dos campos de feno, atravessaram a encosta do Outeiro Lagarto até próximo da Corga da Calhe, depois uma escalada a corta mato até ao sopé do rochedo onde se encontrava o cadáver e mais algumas pessoas, entre os quais o pai do Zé da Bina, que se aprestaram para ir reconhecer o morto e ajudar à sua remoção a fim de lhe propiciar um enterrado digno e cristão.
Foi o mesmo Amadeu, homem de compleição robusta e experimentado nos horrores da guerra civil de Espanha, que retirou os arbustos de cima do defunto. Não era um cenário fácil de presenciar. Exalava um cheiro fétido e um enxame de moscas pairava sobre o finado. Não fosse o adiantado estado de decomposição e até parecia que tinha ali ficado a dormir. Estava de bruços sobre um fofo tapete de ervas, musgo e outra matéria orgânica que cobria o solo rochoso, a cabeça um pouco de lado sobre o braço esquerdo e com o braço direito debaixo do tronco segurando ainda, como uma tenaz, um livro velho e roto. Os malditos corvos já tinham profanado o cadáver nas zonas expostas mas em tudo o resto estava intacto, sem sinais de fracturas, nem de escoriações, nem de golpes, nem sujidade nas roupas ou no calçado.
Não havia dúvidas que se tratava mesmo do jovem desaparecido na fatídica noite mas o que parecia ter sido um acidente na fuga desesperada assumia agora contornos de grande mistério.

2 comentários:

Anónimo disse...

Quando è que vai vir o fim ?
Estou a gostar de lêr o conto !!!
Venha o resto !!!
beijinhos

nandokas disse...

Olá,
Então sempre era o Zé da Bina!... E como lá foi parar?
Fico à espera do próximo.
Abraço.